Novo Ensino Médio: revogar ou aprimorar? Entenda o debate
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Maior protagonismo do(a) estudante, mais tempo na escola, um currículo mais flexível e com maior conexão ao mercado de trabalho.
Foi a partir destas propostas que surgiu o Novo Ensino Médio, sancionado em 2017 com a Lei 13.415. O projeto entrou em vigor em 2022 e prevê a implementação gradual até 2024.
Conhecida como reforma do Ensino Médio, a lei traz significativas mudanças em relação ao antigo modelo e chega ao segundo ano de implementação dividindo opiniões.
Em abril deste ano, após milhares de estudantes e professores protestarem pedindo a revogação do Novo Ensino Médio, o MEC decidiu suspender o cronograma nacional de implementação. O modelo passa por consulta pública e o governo federal deve anunciar propostas de mudanças a partir de julho.
O que muda com o Novo Ensino Médio?
1. Aumento da carga horária
O Novo Ensino Médio tem uma carga horária 25% maior do que o antigo modelo, ampliando, de 2.400 para 3.000 horas durante os três anos.
2. Itinerários formativos
Destas 3 mil horas, 1.200 devem ser destinadas à oferta dos itinerários formativos, que são uma formação complementar à obrigatória em que o(a) estudante pode escolher a área de conhecimento ou formação técnica que deseja aprofundar seus estudos, de acordo com suas preferências de carreira.
As escolas devem oferecer, pelo menos, um itinerário formativo. As opções devem ser relacionadas às seguintes áreas do conhecimento:
- Linguagens e suas tecnologias;
- Matemática e suas tecnologias;
- Ciências da natureza e suas tecnologias;
- Ciências humanas e sociais aplicadas;
- Formação técnica e profissional.
3. Divisão por áreas de conhecimento
A Base Nacional Comum Curricular define que o ensino médio será organizado nas 4 áreas de conhecimento (mencionadas acima) e não em componentes curriculares, de forma semelhante a como já é aplicado no Enem.
Dentro dessas 4 macro áreas, os únicos componentes curriculares obrigatórios são Língua Portuguesa, Língua Inglesa e Matemática. Fora isso, a definição dos currículos fica por conta das secretarias de cada estado e das escolas.
Ou seja, 40% do currículo é formado por itinerários formativos e 60% pelas componentes curriculares.
4. Ensino Técnico
O novo modelo também propõe que o(a) estudante possa incluir o ensino técnico dentro das horas do ensino regular.
Ao final dos três anos, os sistemas de ensino deverão certificá-lo no ensino médio e no curso técnico ou nos cursos profissionalizantes que o(a) aluno(a) escolheu.
A reforma também permite que conteúdos sejam ministrados em sala de aula ou em formato virtual por pessoas e instituições privadas com "notório saber", independente de formação pedagógica.
Quem defende a revogação
Entidades estudantis como a União Brasileira dos Estudantes (Ubes) estão entre os principais críticos à reforma do ensino médio. E algumas entidades sindicais de professores, como o Conselho Superior da UFF, também defendem a revogação do modelo.
Dentre os principais pontos contrários estão:
1. Falta de infraestrutura nas escolas pode gerar aumento das desigualdades. Críticos defendem que as instituições públicas de ensino teriam menos infraestrutura e possibilidades mais restritas para ofertar itinerários formativos. Assim, populações mais vulnerabilizadas como populações carcerárias, estudantes que cumprem medidas socioeducativas, indígenas e assentados rurais seriam os mais prejudicados.
“A diferença de formação entre os alunos oriundos de escola pública e os de escola privada vai ser ampliada e vai afetar os estudantes de instituições públicas, que são a maioria no país.”, critica Luciana Freitas, professora da faculdade de educação da UFF e pesquisadora de políticas públicas educativas.
2. Aumento da carga horária. O Novo Ensino Médio propõe um aumento de carga horária de 2.400h para 3.000h durante os três anos. Ou seja, as 4h diárias devem chegar a 7h por dia no turno integral até 2024. Para os críticos, essa ampliação do número de horas afastaria os jovens mais vulneráveis que precisam conciliar estudo e trabalho.
“A reforma expulsa o aluno que precisa trabalhar, cuidar dos irmãos ou que é jovem aprendiz. Tempo Integral no ensino médio é um problema e não pode ser confundido com Educação Integral.”, aponta a professora Luciana Freitas.
Educação Integral x educação em tempo integral: qual a diferença?
3. Exclusão de disciplinas. Os conteúdos das disciplinas clássicas (química, biologia, artes, história, entre outras) são apresentados aos estudantes em quatro áreas de conhecimento (Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, Linguagens e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias e Matemática e suas Tecnologias).
Com um teto para a formação geral básica de 1.800 horas, apenas os componentes curriculares de Língua Portuguesa e Matemática são obrigatórias nos três anos. As outras áreas do conhecimento não são ministradas de forma específica.
4. Falta de professores capacitados. Outro ponto defendido pelos contrários à reforma é a falta de preparação de professores para ofertar itinerários formativos. Nem sempre a formação técnica e os conhecimentos do professor são correspondentes ao conteúdo que ele leciona.
“Docentes estão oferecendo componentes curriculares sem terem a menor preparação ou escolha desses componentes. Muitos deles não escolheram dar aula de ‘projeto de vida’ ou outros componentes curriculares.”, ressalta a professora da UFF.
Quem defende o Novo Ensino Médio
Entidades como o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), Todos Pela Educação, Movimento Todos pela Base e o SESI defendem que a essência do Novo Ensino Médio deve ser mantida. Eles reconhecem que o modelo precisa passar por uma reestruturação, mas não deve ser revogado.
“Revogar significa retroceder e perder 600h de currículo. As redes públicas terão que demitir cerca de 20% do seu quadro de professores. Jogar fora 2 anos de construção de discussões, pesquisa e material didático.”, defende Wisley Pereira, Gerente Executivo de Educação do SESI.
Entre os pontos vistos como positivos estão:
1. Mais tempo em sala de aula. O Novo Ensino Médio propõe ampliar o tempo de aulas diárias, adotando um formato de tempo integral. Até 2024, o dia letivo deve ter 7 horas, chegando a 1.400 horas/ano.
Na proposta do Consed, a entidade reforça que a expansão da carga horária teve como consequência a contratação de mais professores e a ampliação da carga horária de muitos alunos numa mesma escola.
Em nota técnica, Todos pela Educação também defende que o maior tempo de exposição dos estudantes à aprendizagem e efeitos bastante positivos das escolas em tempo integral.
2. Formação Técnica e integração com ensino profissional. O novo formato visa formar o aluno em ao menos um curso técnico já nesta etapa educacional, oferecendo, assim, uma aprendizagem mais conectada ao mundo do trabalho.
3. Necessidade de mudar o ensino médio. Com altas taxas de evasão escolar, o Ensino Médio tem deixado de ser atrativo para muitos jovens.
“O Ensino Médio vem pedindo ajuda há mais de duas décadas. No Brasil, 50% dos jovens não concluem a educação básica na idade correta.”, defende Wisley Pereira, Gerente Executivo de Educação do SESI se referindo a dados do estudo “Combate à evasão no ensino médio — desafios e oportunidades”, elaborado pela Firjan Sesi.
4. Maior autonomia do estudante. Com a possibilidade do currículo flexível a partir dos itinerários formativos, especialistas que defendem o Novo Ensino Médio afirmam que esta etapa de ensino pode ser mais atrativa para os estudantes.
“Temos que olhar para frente. Não podemos colocar problemas do passado, como a falta de infraestrutura das escolas e formação de professores, no Novo Ensino Médio. O caminho é de aprimoramento”, ressalta Wisley Pereira.
Afinal, o que esperar do Ensino Médio?
Apesar das opiniões divergentes, especialistas concordam em um aspecto: o Ensino Médio já não é mais atrativo para muitos jovens.
Muitos estudantes relatam que não encontram nas escolas oportunidades de qualificação profissional e, muitas das vezes, abandonam os estudos em busca de trabalho.
“Em pesquisas recentes observamos que mais de 7 em cada 10 jovens considera que a escola prepara pouco para o mundo do trabalho. E boa parte dos jovens que não estão estudando e que não concluíram o ensino médio justifica a evasão pela necessidade de trabalhar. O direito ao trabalho digno, previsto no Estatuto das juventudes somente será garantido, caso haja oportunidades para que os e as jovens se qualifiquem.”, afirma Rosalina Soares, assessora de Pesquisa e Avaliação da FRM.
Rosalina também ressalta que a Formação Geral Básica precisa ser de excelência pois estes conhecimentos são importantes tanto para a transição do Ensino Médio para a universidade quanto para o mundo do trabalho.
“Espera-se que o Ensino Médio ofereça oportunidades para a ampliação de repertório sobre o mundo do trabalho como projetos colaborativos, orientação vocacional, além do desenvolvimento de capacidades de comunicação, de resolução de problemas, de trabalhos em equipes, entre outras.”, completa a assessora de Pesquisa e Avaliação.
Sobre a Fundação Roberto Marinho
A Fundação Roberto Marinho inova, há mais de 40 anos, em soluções de educação para não deixar ninguém para trás. Promove, em todas as suas iniciativas, uma cultura de educação de forma encantadora, inclusiva e, sobretudo, emancipatória, em permanente diálogo com a sociedade. Desenvolve projetos voltados para a escolaridade básica e para a solução de problemas educacionais que impactam nas avaliações nacionais, como distorção idade-série, evasão escolar e defasagem na aprendizagem.
A Fundação realiza, de forma sistemática, pesquisas que revelam os cenários das juventudes brasileiras. A partir desses dados, políticas públicas podem ser criadas nos mais diversos setores, em especial, na educação. Incentivar a inclusão produtiva de jovens no mundo do trabalho também está entre as suas prioridades, assim como a valorização da diversidade e da equidade. Com o Canal Futura fomenta, em todo o país, uma agenda de comunicação e de mobilização social, com ações e produções audiovisuais que chegam ao chão da escola, a educadores, aos jovens e suas famílias, que se apropriam e utilizam seus conteúdos educacionais.