O desmantelamento do Inep vai além do Enem - e compromete as políticas educacionais
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Com a demissão de 35 servidores de carreira do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) faltando poucos dias para a aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), uma série de alunos que vão prestar o principal exame de seleção para o ensino superior demonstraram receios sobre a execução da prova e sua confiabilidade. Porém, o desmonte a céu aberto que a autarquia vive nas últimas semanas compromete mais do que essa prova e pode impactar na elaboração de políticas públicas de milhões de jovens por todo o país.
Desde o governo Fernando Collor, quando o instituto possuía poucas verbas para se manter de pé, o Inep passou a se fortalecer e também a ter cada vez mais responsabilidades. Em um campo de visão curto, uma semana antes da aplicação do Enem, o órgão tem o Enade, exame para avaliar os cursos do ensino superior para aplicar; ainda não liberou a totalidade de dados referentes ao Enem do ano passado; é responsável pelo Censo da Educação, levantamento de dados fundamentais para os gestores públicos definirem suas políticas para as escolas municipais e estaduais e também coordena e aplica Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), indicador fundamental para avaliar o segmento.
Essa gama de iniciativas fizeram com que as políticas educacionais brasileiras deixassem de ser tratadas em ‘achismos’ e passaram a ser baseadas em dados e com análises de uma série de mestres e doutores que passaram a compor, ao longo dessas quase três décadas, o quadro de servidores da instituição.
O receio com a aplicação da prova do Enem também não é novo. Reportagem de Paulo Saldanã, da Folha de São Paulo, mostrou, em maio deste ano, ofícios internos que indicavam que a prova seria aplicada somente em 16 e 23 de janeiro de 2022. Isso prejudicaria uma série de estudantes que precisam da nota do exame para entrar em programas como o Fies e Prouni e, com o atraso da data, não conseguiriam ter acesso ao ensino superior no primeiro semestre. Após a repercussão negativa, o ministro da Educação Milton Ribeiro veio a público garantir que a prova aconteceria esse ano.
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O titular da pasta de Educação, mesmo que com pouco tempo no ministério, já possui um histórico negativo com a prova do Enem. Na aplicação do ano passado, justificou a maior abstenção do exame a “um trabalho de mídia contrário ao Enem”. Isso teria acontecido devido aos questionamentos sobre a realização da prova, que contou com episódios de salas lotadas de candidatos, em meio ao crescimento de casos e mortes relacionados à pandemia da Covid-19. Após a realização da última etapa do exame, Ribeiro demitiu o então presidente do Inep, Alexandre Lopes, e trouxe da Mackenzie, universidade que foi vice-reitor, Danilo Dupas para o cargo.
A troca de cadeiras no Inep também mostra a ausência de especialistas à frente de cargos técnicos. Danilo Dupas, em currículo publicado no próprio site do Inep, tem sua principal experiência em Educação dentro da própria Mackenzie. Junto com ele, Ribeiro nomeou o coronel Alexandre Gomes da Silva para a Diretoria de Avaliação de Educação Básica, área responsável pelo Enem. Alexandre é especialista em acidentes aéreos e está na sua primeira experiência na área de Educação. Por outro lado, servidores técnicos como Camilo Mussi, diretor de Tecnologia do Inep, e Sueli Macedo, coordenadora-geral de Avaliação dos Cursos de Graduação, deixaram a autarquia. Esse apagão que a instituição vive está registrada em uma longa apuração do repórter Luigi Mazza, para a revista Piauí e a ameaça à autonomia da autarquia já era denunciada por João Marcelo Borges, em artigo para o Nexo.
Para quem trabalha com dados, transparência e políticas educacionais, o cenário do Inep é ainda mais devastador quando se pensa nas futuras responsabilidades que o instituto terá. Ano que vem é o começo do Novo Ensino Médio nas escolas, que prevê um novo modelo de Enem perante ao novo desenho do segmento. Participantes de reuniões sobre o tema com gestores do ministério e do instituto afirmam que as propostas emanam mais do Conselho Nacional de Educação e da sociedade civil do que do governo. Ao mesmo tempo, esse seria o momento em que os indicadores do Censo Escolar e do Saeb poderiam dar dados sobre evasão e sobre aprendizagem perante a pandemia. A legislação do novo Fundeb também prevê que a autarquia crie um novo indicador para avaliar o nível socioeconômico dos alunos de forma que isso seja um critério para que os recursos do fundo sejam distribuídos.
A instabilidade do Inep não é uma questão que vai ser averiguada em dias com a aplicação da prova do Enem. Ela é um problema que pode permear o avanço das políticas educacionais nos próximos anos e seu surgimento também não é uma questão circunstancial, mas sim uma soma de erros, passando por sucessivos presidentes nos últimos anos, que culminam no atual quadro.