Artigo: O Enem de milhões

O Enem de milhões

A trajetória do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) mostra que a prova sempre foi - desde o número de candidatos ao custo - de milhões, expressão que passou a ser usada como meme para expressar algo valoroso e que junta várias demandas. Mas, se no passado, os valores eram alardeados aos quatro ventos, no presente, há timidez ao falar sobre eles e risco de precariedade da prova. Já quanto ao futuro, uma série de mudanças estão previstas que geram dúvidas e podem ressignificar os milhões tratados até agora. 

No passado, a prova já teve recordes em milhões de estudantes que a realizaram. Em 2014, por exemplo, foram 8,7 milhões de candidatos, o que é equivalente a cidade do Rio de Janeiro junto com a de Curitiba. O custo para a edição desta edição foi de cerca de R$ 606 milhões, o que equivale ao PIB da cidade de Itatinga (CE). Os altos números refletem um período em que a prova, além de ser a maior porta de entrada para o ensino superior, também podia ser utilizada como certificação para o ensino médio. Em 2017, essa possibilidade deixou de existir e a edição teve uma perda de 2 milhões.

Mas se esses valores chamam atenção para a queda, o presente mostra um cenário bastante mais temeroso. A última edição teve somente 3,1 milhões de inscritos e com um custo - naturalmente menor - de R$ 192 milhões. A diminuição não é sem motivo: após a edição de 2020, em meio ao auge da pandemia, vários estudantes de escola pública que possuíam isenção resolveram não se arriscar em fazer a prova presencialmente e, no primeiro momento da inscrição para tentar no ano seguinte, viram que não poderiam pedir novamente isenção. A decisão foi revertida posteriormente, mas o estrago já estava feito. 

O declínio de investimento na prova não ocorreu somente devido a diminuição do número de candidatos. Técnicos do Inep, como já relatado aqui, denunciaram uma precarização do exame que ganha um novo capítulo com a possibilidade da edição deste ano utilizar questões já aproveitadas em anteriores por falta de dinheiro. Isso se deve porque elaborar uma prova da qualidade como a do Exame, para milhões de candidatos, é custoso. Demanda ter formuladores de itens, revisores deles, reformulação em caso de erros, aplicação em escolas para calibrar dificuldade e revisar possíveis falhas para enfim ser colocada no Banco Nacional de Item (BNI). O relatório obtido pela UOL mostra que somente existem 43 questões de Linguagens aptas a estarem na prova, o que não completaria nem a primeira aplicação deste ano, que precisa de 45 itens.

A prova de milhões tem duas questões faltando para existir neste ano. E a solução apresentada pela equipe responsável é precarizar uma avaliação em que milhões de candidatos destinam suas vidas a terem resultados positivos e conseguirem a tão sonhada vaga no vestibular.

Mas, se o presente se mostra tão pessimista, o futuro é uma incógnita que parece faltar conta de matemática. Recentemente, o Ministério da Educação anunciou o novo (novo) Enem para 2024, simbolizando a transição total do currículo do Novo Ensino Médio. Mais do que esperado, apesar de pouco debatido fora do Conselho Nacional de Educação. Porém, o modelo apresentado traz dois problemas: um de forma e outro de custo.

O modelo proposto trabalhará com duas fases. Na primeira, questões que testam habilidades e competências das diversas áreas do conhecimento (Linguagens, Ciências Humanas, Matemática e Ciências da Natureza) serão testadas. O desafio está na segunda fase que separa os alunos em um dos quatro grupos de provas, cada um com duas áreas do conhecimento mencionadas que são decididas de acordo com o curso escolhido pelo estudante. E um detalhe: a segunda parte será discursa.

São nesses pontos que as dúvidas - e os milhões - voltam. Dividir a segunda fase em áreas de conhecimento é a melhor maneira para se pensar na escolha de carreira? O Sisu também terá que ser seccionado? Quem vai corrigir essas milhões de provas discursivas serão professores ou programas de Inteligência Artificial? Será um novo recorde para o Enem de milhões?

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