Artigo: Um olhar para além dos rótulos da superdotação

Um olhar para além dos rótulos da superdotação

No imaginário social, uma criança com superdotação é mais do que o melhor aluno da turma. É o estudante que desvenda enigmas indecifráveis, resolve contas mirabolantes e coleciona medalhas nas Olimpíadas de Matemática. Tudo sem muito esforço, como se sua aptidão fosse um dom natural. Um estigma reforçado em filmes e séries que destacam a genialidade de pessoas com altas habilidades, ofuscando questões sociais que afetam seu dia a dia na escola. 

Estereótipos à parte, se, por um lado, uma criança com 4 anos domina a leitura e a escrita ou toca um instrumento com a agilidade acima da média para a idade; por outro, pode apresentar dificuldades em interagir com colegas da sua faixa etária, fazer amigos ou lidar com frustrações – condição pouco compreendida socialmente, já que o rótulo das pessoas com altas habilidades insiste em generalizar o grupo a gênios e estudantes impecáveis que não precisam de apoio ou acompanhamento socioemocional. Ledo engano. Até porque, segundo diversos estudos, pessoas com superdotação possuem algumas características emocionais que vão impactar, e muito, em seu pleno desenvolvimento

Ficam, então, perguntas no ar: sem considerar as habilidades sociais de crianças e adolescentes com superdotação, é possível desenvolver plenamente o potencial intelectual do grupo? Podemos, simplesmente, ignorar a falta de traquejo social de alguns indivíduos e focarmos apenas nos saberes de cada um? Especialistas são praticamente unânimes em dizer que não: conhecimentos e habilidades sociais precisam, necessariamente, caminhar juntos, lado a lado. 

Nesse sentido, a escola é um campo privilegiado para que todos, sem exceção, possam desenvolver questões pedagógicas, bem como aprimorar habilidades sociais para a vida, como autoconhecimento, consciência social, comunicação clara e tomada de decisão responsável. Objetivos, aliás, previstos na Base Nacional Curricular Comum (BNCC), documento do Ministério da Educação que orienta as propostas pedagógicas da Educação Infantil ao Ensino Médio. 

O que se percebe, no entanto, é que alunos com altas habilidades  – que, numa conta subestimada, somam cerca de 25 mil crianças em adolescentes no país – ainda são inseridos inadequadamente no ambiente escolar. Por isso, é preciso implementar programas e políticas públicas que possam apoiar o aprimoramento do grupo, sem cair na armadilha de desenvolver tão somente seu potencial intelectual. O que exige deixar a visão, por vezes romântica, de que a criança com superdotação não enfrenta dificuldades, nem impedimentos para desenvolver seus talentos e habilidades. 

É preciso, portanto, que a escola olhe para o aluno que está por trás do laudo de superdotação e enxergue os desafios que aquela criança enfrenta diariamente para tentar se encaixar dentro de sua série. Da forma como lida com exercícios propostos pelo professor à sua participação em sala de aula. De como passa seu tempo no recreio à forma como se relaciona com os colegas nos intervalos. Ou seja: é primordial encarar esse estudante para além das notas e resultados em rankings acadêmicos. E, assim, compreender que as altas habilidades não estão somente na cognição, mas se fazem presentes no pensamento, no comportamento e no jeito de levar a vida. É um pacote completo – sem dúvida, bem diferente do imaginário social. 

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