Notícia: A Cor da Cultura inicia formação de professores no Rio com foco em educação antirracista

Agenda faz parte de um projeto piloto e marca nova fase de implementação do programa de educação para as relações étnico raciais da Fundação Roberto Marinho

Sala ampla e bem iluminada, com grandes janelas à direita e teto moderno com painéis acústicos. No centro da imagem, cerca de 80 pessoas posam sorrindo para a foto, formando um grande grupo diverso. Na primeira fileira, em destaque, há mulheres vestidas com roupas tradicionais afro-brasileiras e indígenas, com colares, saias coloridas e cocares. Um tambor está à frente, no canto direito. A energia é de celebração e união, sugerindo um evento cultural ou formativo ligado à diversidade étnico-racial.
Grupo atua na formação continuada de milhares de educadores da rede municipal do Rio. Foto: Pablo Sales

A Fundação Roberto Marinho promoveu, dentro das atividades do programa A Cor da Cultura, nesta terça-feira (22), uma formação para profissionais de educação da rede municipal do Rio de Janeiro. A atividade foi realizada na Escola de Formação Paulo Freire, no Centro da cidade. Ela faz parte de um piloto de implementação da nova fase do programa de educação antirracista, criado há mais de 20 anos. 

O A Cor da Cultura é um programa de valorização do patrimônio histórico e cultural afro-brasileiro e indígena. Ele existe para apoiar profissionais e instituições de ensino na promoção da educação para as relações étnico raciais (ERER), prevista nas leis 10.639/03 e 11.645/08, por meio da formação de educadores, da transferência de metodologia, da produção e circulação de materiais pedagógicos e de comunicação.  

O encontro, realizado em parceria com a Secretaria Municipal de Educação do Rio, por meio da Gerência de Relações Étnico-Raciais (GERER), será o ponto de partida para outras ações que visam a implementação do programa em territórios prioritários definidos em diálogo com o Ministério da Educação (MEC). O cronograma das atividades em outras cidades do país ainda será definido.   

Bruna Camargos, coordenadora do A Cor da Cultura, destaca que o objetivo é fortalecer políticas e programas já existentes voltados à superação das desigualdades étnico-raciais e do racismo nos ambientes de ensino. Nessa nova fase, o programa traz uma novidade metodológica: a preparação de professores-formadores.  

“Nosso desejo é transferir a tecnologia educacional do A Cor da Cultura para que coordenadores, técnicos e professores, que hoje já são responsáveis pelas formações nos municípios e estados, se apropriem do projeto e dos materiais estabelecendo relações com as suas práticas cotidianas e multiplicando essa formação com outros professores”, explica Bruna.  

Sala com piso de madeira e paredes brancas decoradas com quadros emoldurados em tom escuro. Cerca de 30 pessoas estão sentadas formando um círculo, olhando para uma mulher que está em pé no centro, falando e sorrindo. Ela usa um macacão estampado em azul e branco. As pessoas ao redor são majoritariamente mulheres, com expressões atentas, demonstrando escuta ativa. O ambiente sugere um momento de partilha ou roda de conversa.
De pé, Bruna Camargos durante oficina de formação do A Cor da Cultura. Foto: Pablo Sales

Participaram da formação 82 profissionais da educação, entre eles 63 formadores da própria Escola Paulo Freire, 11 coordenadoras técnicas e quatro técnicos da GERER, além de quatro educadores do município de Cabo Frio. Todos são professores que atuam no nível central de gestão ou formação de educadores. Após esse primeiro encontro, o grupo será responsável por multiplicar a metodologia do programa na rede de ensino. 

A diretora da Escola de Formação Paulo Freire, Geisi Nicolau, explica como isso ocorre na prática: “Os educadores formados atuam nas onze regionais de ensino do Rio. Esse grupo será responsável por escrever a pauta formativa — ou seja, definir os conteúdos que serão trabalhados nas formações dos professores. É nesse momento que todo o aprendizado e a vivência que eles estão tendo com o A Cor da Cultura são incorporados à pauta, para se desdobrar na formação, alcançar os professores e, assim, chegar até as crianças. 

Segundo Geise, as formações continuadas realizadas pela escola têm capacidade para atender até 20 mil professores da rede municipal do Rio.

Para Carla Celestino, coordenadora do Ensino Fundamental da SME, a parceria com o programa reforça o compromisso do município com a promoção da ERER. “A nossa rede é muito grande. Sempre que realizamos uma formação e contamos com um material consolidado, como o do A Cor da Cultura, conseguimos ampliar nosso alcance”, afirma. “Desde pequenos, nos reconhecemos diversos e não podemos permitir que essa diversidade se transforme em exclusão”, acrescenta Carla, que participou do encontro representando a Subsecretaria de Ensino do Rio. 

Três mulheres posam sorrindo em frente a um palco. A da esquerda veste blusa estampada azul-marinho com flores vermelhas e calça vermelha; a do centro usa blazer claro e blusa preta; a da direita, blusa listrada azul e branca com um detalhe floral na manga, e uma saia azul. Ela segura um microfone. À frente, uma pessoa fotografa o trio com um celular. O fundo é claro, com parte de uma frase visível na parede: “pode falar de...”. A cena sugere encerramento ou homenagem após uma fala ou apresentação.
Da esquerda para a direita: Geisi Nicolau, Carla Celestino e Joana Oscar. Foto: Pablo Sales

Joana Oscar, gerente de relações étnico raciais, destacou que a ERER não pode se restringir às ações individuais dos educadores – muitas vezes de professores e professoras não brancos. Ela conheceu o material do A Cor da Cultura há cerca de 15 anos. Por iniciativa própria, passou a utilizá-lo em sala de aula com seus alunos.  

“Eu entendo que a Joana, professora, sozinha, achou esse material e o levou para a sala de aula porque ela era sensível a essas questões. Quando isso vem via formação continuada é outro lugar. É um lugar de cumprimento de legislação, de corresponsabilização. É uma oportunidade de restaurar as possibilidades de aprendizagem desses professores que também tiveram lacunas em sua formação inicial”, explica.

 

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Não tem educação pública de qualidade com racismo.

Joana Oscar

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Um encontro de afetos 

Uma das novidades dessa nova fase do A Cor da Cultura foi a inclusão da história e da cultura dos povos originários. Os materiais do programa foram ampliados e passaram a contemplar, também, os saberes dessa população. O kit pedagógico digital está disponível na página oficial do A Cor da Cultura.   

“Quando eu vi, pela primeira vez, o mapa dos valores civilizatórios incluindo a população indígena eu fiquei muito emocionada, eu chorei”, conta Pâmela Souza da Silva, professora de Artes que integra a equipe da GERER. Ela explica: “Eu não via muito movimento em relação a 11.645, ficou como algo secundário. Eu tive que correr muito atrás de materiais para trabalhar a minha própria história, para levar esses saberes para a sala de aula.

 

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Ter esse material comtemplando as populações indígenas ajuda a lei a ganhar materialidade, a ser apropriada pelo coletivo e reconhecida pela via institucional.

Pâmela Souza da Silva

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Para o professor-formador Felipe Lopes a redução da ERER a uma temática é um grande desafio que precisa ser superado: “Ainda persiste muito a ideia de que é um tema isolado, restrito a um projeto específico ou a uma data comemorativa. Mas precisamos avançar para que a ERER seja compreendida dentro de um contexto mais amplo, como algo transversal”, defende. “Se pensarmos na nossa própria origem, na vivência dos nossos alunos, na ancestralidade de cada um e em como essas culturas nos atravessam, entendemos que essas práticas precisam fazer parte do cotidiano. Elas podem estar presentes no ensino das ciências, da matemática, das linguagens, e não como um capítulo à parte”. 

Para Bruna Camargos, o encontro também foi um momento afetivo de retomada da memória do programa e de todos que estiveram em sua elaboração anteriormente. “Foi emocionante ouvir o relato das professoras e professores sobre o impacto do projeto em suas formações em um momento em que tínhamos poucos materiais voltados para a ERER”, diz. “A memória da educadora Azoilda Loretto da Trindade e suas contribuições para pensar uma educação antirracista esteve presente o tempo inteiro”, completa.   

Trindade foi uma educadora e pesquisadora com grandes contribuições para a ERER. É também reconhecida como idealizadora e coordenadora pedagógica do A Cor da Cultura. 

A programação foi marcada por momentos de sensibilização e debate sobre os valores civilizatórios afro-brasileiros e indígenas. Os participantes foram apresentados ao A Cor da Cultura e, na sequência, o diálogo temático reuniu especialistas para debater concepções e vivências da ERER. Após uma apresentação cultural do Caxambu do Morro do Salgueiro, a tarde foi dedicada a uma oficina com atividades práticas voltadas à construção de propostas pedagógicas antirracistas. Todos os participantes receberam um kit pedagógico do programa.

Mulheres sentadas lado a lado em uma fileira, sorrindo e interagindo entre si enquanto folheiam livros coloridos. Uma das mulheres segura o livro com o título “Memória das palavras indígenas”. Todas carregam sacolas cinza com alças azuis, com a identidade visual do projeto “A Cor da Cultura”. A atmosfera é de interesse e troca, sugerindo um momento de partilha de materiais educativos.
Todos os professores participantes receberam um kit educativo do A Cor da Cultura. Foto: Pablo Sales

Os passos do programa A Cor da Cultura 

A Cor da Cultura nasceu no contexto da implementação da Lei nº 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas. Desde então, promoveu a formação de educadores em mais de 170 municípios de 18 estados, com distribuição de materiais pedagógicos e conteúdos audiovisuais. A iniciativa foi reconhecida pelo MEC, em 2009, como uma tecnologia educacional. Esse é o quarto ciclo de implementação da iniciativa. 

O programa é uma realização da Fundação Roberto Marinho, por meio do Canal Futura, em parceria com a SECADI/MEC, o Ministério dos Direitos Humanos, a Fundação Palmares e a Universidade Federal do Paraná.  

Conforme explica Bruna, essa rede é fundamental para que a iniciativa chegue a mais pessoas: “Caminhando junto com essas instituições vamos expandir a distribuição dos materiais para outros territórios, fortalecendo a Política Nacional de Equidade, Educação para as Relações Étnico-Raciais e Educação Escolar Quilombola (Pneerq), que tem o objetivo de implementar ações e programas educacionais voltados à superação das desigualdades étnico-raciais”.

Vista de cima de um grupo de quatro pessoas sentadas em círculo, com livros coloridos abertos sobre o colo. Uma das páginas mostra uma ilustração de uma flor sorridente. Cada pessoa segura um exemplar do mesmo material, com textos e imagens, enquanto discutem e fazem anotações. Sobre a mesa ao fundo, há mochilas cinza claro com a identidade visual do projeto “A Cor da Cultura”. O ambiente é acolhedor e propício ao estudo em grupo.
Cerca de 80 profissionais de educação participaram da formação. Foto: Pablo Sales

A nova edição dos materiais do programa foi elaborada de forma coletiva, com a contribuição de cerca de 50 consultores de diferentes regiões e culturas, e busca fortalecer práticas pedagógicas baseadas em valores civilizatórios afro-brasileiros e indígenas.  

Sobre os próximos passos do piloto implementado no Rio de Janeiro, realizado em parceria com a GERER, Bruna explica: “Vamos acompanhar a multiplicação da formação e os usos dos materiais por dentro de um projeto já existente na Prefeitura do Rio, chamado território educador. A ideia é que no final do ano, além dos relatos de experiências, tenhamos o desenvolvimento de planos de aula e de uma jornada pedagógica para compartilhar essas práticas”.