Estudantes da Escola da Fundação Roberto Marinho celebram formatura no Museu do Amanhã
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Turmas na Maré, Del Castilho e São Gonçalo têm mais de 140 alunos entre 15 e 70 anos que concluíram o ensino fundamental ou o ensino médio

“Foram dias cansativos, noites longas, tarefas feitas no intervalo do trabalho, depois de cuidar dos filhos ou da casa. Tiveram dias em que a vontade era parar, em que as horas pesavam e o sonho parecia grande demais para a gente. A gente ficou, resistiu e cada passo foi um aprendizado. Hoje, estamos aqui, de cabeça erguida e com o coração batendo forte de orgulho”, destaca o trecho lido pelos oradores, Cintia Regina de Sousa e Allan Isaac, que representaram os 142 estudantes da Escola da Fundação Roberto Marinho que se formaram no ensino fundamental ou no ensino médio, na sexta-feira, 29, no Museu do Amanhã, no Rio.
O evento marca a conclusão de uma jornada de dois anos na Educação de Jovens e Adultos (EJA). São pessoas que não puderam concluir seus estudos quando mais novos por diversos motivos. Para muitos, pesou a necessidade de trabalhar para ajudar no sustento da família. Especialmente para as mulheres, gravidez e o cuidado (de filhos, parentes ou da casa) aparecem entre as principais razões para a interrupção dos estudos. Há quem migrou do ensino regular para a EJA e nunca deixou de estudar, mas também são muitos os que estavam há anos e até décadas afastados da escola.
Toda essa diversidade de perfis e trajetórias compartilharam a realização de um sonho comum: ter em mãos o certificado que materializa a conclusão de uma etapa de ensino e o pontapé inicial em direção a novos sonhos.
“Hoje é o começo de novos sonhos”, resume Gabrielly de Oliveira, 21 anos, aluna do polo São Gonçalo. A jovem, que tem o objetivo de cursar uma graduação na área da saúde, parou de estudar durante a pandemia. Para chegar à formatura, precisou superar diversos problemas de saúde, além da insegurança com sua própria capacidade. “achei que eu não fosse conseguir aprender, porque é o ensino médico, uma fase que me prepara para uma universidade. Quando eu cheguei lá no Instituto, percebi todo o atraso que eu mesma estava colocando sobre mim, que estava tudo bem eu ter medo, mas que isso não podia me paralisar”.
A mãe de Gabrielly, Luciane Oliveira, emocionada, destaca como o acolhimento da escola e da professora foram fundamentais para a permanência da jovem: “Teve momentos em que ela pensou em desistir. A professora Daiana, para mim, é a escada que Deus colocou na vida dela para que ela conseguisse continuar”, conta.
Outra mãe orgulhosa foi Dona Odete, que estava acompanhando o filho Marcelo Ferreira da Silva, de 50 anos. “É uma emoção enorme, estou muito feliz por ele. Terminar os estudos é muito importante. Voltar depois de tanto tempo fora da escola não é fácil”, diz.
Marcelo mora em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, e trabalha no Leblon, zona sul do Rio. A unidade Del Castilho, onde estudou, fica no meio do caminho. Conciliar escola e trabalho não foi fácil. Essa foi a segunda tentativa de concluir o ensino médio. “É árduo você sair de casa às 5h. da manhã para trabalhar, sair e ir para a escola. Tem momentos que a gente pensa em desistir, porque é muita barreira”, lembra. Ele completa: “Meu plano agora é fazer um preparatório para o Enem e tentar uma faculdade”.
Dos 142 alunos formados, quase 80% são concluintes do Ensino Médio e, ao menos, 65% são pessoas pretas e perdas, como Gabrielly, Marcelo e Cristian Ribeiro Santos, de 24 anos. A história de Cristian na escola da Fundação Roberto Marinho começou há quatro anos. Ele chegou à turma de São Gonçalo, que funciona na sede do Instituto Abraço Coletivo, depois de quatro reprovações no ensino regular, na época sem saber ler e escrever. Foram dois anos para concluir o ensino fundamental e outros dois para terminar o ensino médio. A conquista, como ele próprio destaca, não é apenas individual.
Nem meu pai nem minha mãe completaram o ensino básico. Eu pensei: preciso quebrar esse ciclo, para que a próxima geração da minha família tenha outra referência em que se espelhar
Cristian Santos, estudante de São Gonçalo
Para Cristian, ter voltado a estudar possibilitou muitas mudanças em sua vida. “Hoje eu termino a escola sabendo ler e escrever, morando sozinho e habilitado. É uma realidade que eu nunca pensei ser possível”, descreve o jovem.
A conclusão do ensino fundamental
A maior parte dos formandos estudam nas turmas do Conjunto de Favelas da Maré, ofertadas em parceria com a ONG Redes da Maré. O grupo também é majoritariamente formado por mulheres: elas representam mais de 70% dos concluintes.
Hortência Alves dos Santos, 61 anos, moradora da comunidade Nova Holanda celebrou a conquista do diploma do Ensino Fundamental. Foram quase 50 anos longe da sala de aula. Ela parou de estudar ainda criança, depois que o pai morreu e passou a precisar ajudar financeiramente à família. Ainda criança, teve que deixar a escola, para trabalhar. “Eu resolvi voltar a estudar depois que perdi meu filho. As pessoas diziam que eu tinha que fazer algo por mim, então voltar a estudar me ajudou muito”, explica.
Acompanhada do neto Miguel, de 13 anos, ela fala da importância de incentivar os netos a permanecer estudando. “Eu digo para ele, a escola é fundamental, sem estudo tudo é mais difícil”.
“Eu acho legal ela ter voltado a estudar, fico orgulhoso da minha avó”, diz Miguel.
Outro aluno formando do ensino fundamental é Felipe Lima, de 17 anos. O jovem chegou à turma de Del Castilho, realizada em parceria com a Rede Cruzada, após três reprovações no ensino regular. Ele explica que cursar o ensino fundamental na EJA da Fundação Roberto Marinho possibilitou recuperar um pouco o atraso escolar. “Eu estava muito atrasado e a escola da Fundação me ajudou muito. Se não fosse isso, eu estaria no oitavo ano ainda”.
Ele completa: “Para mim foi muito melhor estudar com um grupo menor, também achei o ensino melhor, conseguia me concentrar mais”. Felipe, que era o mais novo da turma conta que seu objetivo é retornar ao ensino regular para continuar o ensino médio.

A cerimônia de formatura
O evento teve como mestre de cerimônias o jornalista e apresentador Alexandre Henderson, da TV Globo. “A educação está no DNA da Fundação Roberto Marinho e é também o lema da minha vida. Foi por meio das oportunidades que tive que consegui alçar novos voos — e, quando a gente avança, leva a família junto. Pude mudar a vida de irmãos e primos e acabei virando uma referência. Ver os estudantes me enxergando ali, alguém que se parece com eles, é muito forte”, destaca.
O jornalista iniciou sua carreira no Canal Futura e já participou de diversas formaturas da Fundação Roberto Marinho. Ele afirma que estar presente nesses momentos é sempre especial.
Ninguém se afasta dos estudos porque quer. São as circunstâncias da vida, é a própria estrutura do sistema que empurra muitos para longe da escola. Então, quando chegamos a uma formatura e vemos sonhos sendo realizados, é muito especial
Alexandre Henderson, jornalista da TV Globo
Além dos estudantes e suas famílias, professores e a equipe de gestão da Unidade Escolar também estiveram presentes. Participaram ainda representantes das instituições locais parceiras de implementação: Andreia Martins, diretora da Redes da Maré (Maré); Karla Ferreira Ribeiro, diretora do Instituto Abraço Coletivo (São Gonçalo); e Michelle Mello, coordenadora-geral da Rede Cruzada (Del Castilho).
Durante a cerimônia, o secretário-geral da Fundação Roberto Marinho, João Alegria, destacou o caráter coletivo da conquista. “É uma visão muito bonita poder olhar para vocês e estar aqui nesta noite. Depois de uma trajetória tão longa, de dois anos de esforço, celebrar essa conquista junto com vocês e suas famílias é algo muito especial. A gente sabe, pelo que vive e pelas pesquisas, que o diploma muda vidas. Ele melhora o salário, abre portas, permite dar mais um passo — às vezes é o que finalmente garante a carteira assinada. Essa conquista transforma a vida do estudante e da família”. Ele também reforçou a dimensão do desafio nacional.
Somos pouco mais de 140 formandos, mas o Brasil ainda tem 66 milhões de pessoas sem concluir a educação básica. Nosso trabalho é importante, mas ainda pequeno diante do desafio. Precisamos trazer mais gente — familiares, vizinhos — e seguir estudando
João Alegria, secretário-geral da Fundação Roberto Marinho
Segundo o diretor da Escola Fundação Roberto Marinho, Renan Carlos Silva, a formatura representa muito mais do que a conclusão de um ciclo. “Ela simboliza coragem, persistência e a força de cada estudante que decidiu retomar os estudos e escrever uma nova história. Cada aluno carrega um mundo de experiências, desafios e sonhos, e é essa diversidade que transforma nossa escola em um espaço vivo, afetivo e profundamente humano”, conclui.
Sobre a Escola Fundação Roberto Marinho
Criada em 2011, a Escola Fundação Roberto Marinho atua exclusivamente com aulas presenciais e tem como missão ampliar o acesso à educação básica para jovens, adultos e idosos que desejam retomar seus estudos. A Unidade Escolar oferece vagas justamente em territórios onde a oferta de EJA é reduzida, contribuindo para garantir que o direito à educação seja exercido ao longo da vida, especialmente em regiões marcadas por desigualdades e vulnerabilidades sociais. Desde então, já formou cerca de 2.000 estudantes no ensino fundamental e no ensino médio. No Rio de Janeiro, está presente no Complexo da Maré, em Del Castilho e em São Gonçalo, atendendo estudantes de 15 a 70 anos.
Sobre o Telecurso
O Telecurso é uma tecnologia educacional, reconhecida pelo Ministério da Educação (MEC), e mais de 1,7 milhão de estudantes já conseguiram terminar seus estudos por ele. Outros 40 mil professores se formaram pela metodologia do programa, que valoriza a construção coletiva do conhecimento e autonomia, utilizando os melhores recursos da comunicação para promover a educação.
