Notícia: Educação 360 – 2º dia: “Se não olharmos para o histórico, essa educação sem sentido, não conseguiremos avançar”

Educação 360 – 2º dia: “Se não olharmos para o histórico, essa educação sem sentido, não conseguiremos avançar”

A 7ª edição do Educação 360, a primeira totalmente online, conta com nomes importantes do Brasil e do mundo para debater sobre Educação. Iniciativa dos jornais O Globo e Extra, o evento conta com o apoio da Fundação Roberto Marinho e do Canal Futura para a sua realização.

O 2º dia do evento trouxe mais reflexões sobre os impactos da pandemia na educação. Dados, pesquisas e informações importantes sobre desigualdades sociais, evasão escolar e a possibilidade de reabertura das escolas foram debatidos por figuras de relevância na área, como Lucia Dellagnelo (Centro de Inovação para Educação Brasileira – CIEB), Mirela Carvalho (Instituto Unibanco), Patrícia Guedes (Itaú Social), Rosalina Soares (Fundação Roberto Marinho), Marcus Barão (Fórum da Juventude), Tatiana Klix (Porvir), Luiz Felipe Lins (professor) e Anant Agarwal (edX).

A palestra de abertura ficou a cargo do ator e youtuber Felipe Neto, que tem se manifestado sobre questões da educação e da política brasileiras nas redes sociais e se conecta fortemente ao público mais jovem. A mediação foi do jornalista Antonio Gois e de Monica Pinto, professora e gerente de Desenvolvimento Institucional na Fundação Roberto Marinho.

Juventude e mudança: o ativismo digital no Brasil

Felipe Neto partiu de suas reflexões sobre o filme O dilema das redes (Netflix) para dar início ao 2º dia do Educação 360. Dizendo-se impactado com o mea-culpa dos criadores de ferramentas e funcionalidades que fazem parte do mundo (e das escolhas) de todas e todos nós (Google, Facebook, Twitter), Felipe destacou como o mundo digital impacta nas nossas decisões, “desde a escolha de um tênis até quem deve ser o presidente da república”.

Print de uma tela mostrando uma vídeo conferência, com duas pessoas, cada uma em seu respectivo computador

Na conexão dessa vivência digital com a necessidade de termos mais conhecimento sobre como acessar informações pela web, 2 incentivos são primordiais para Felipe:

  • Letramento digital – estudantes e professoras(es) precisam saber como checar informações na internet, quais sites são seguros;
  • Reforço na atuação da Polícia Federal – grupos dedicados à destruição de reputações por meio de informações falsas disseminadas por redes sociais e whatsapp precisam ser identificados e responsabilizados.

“Aferir o potencial de qualquer ser humano por meio de um papel com notas é, pra mim, ultrapassado”

Para Felipe, parcerias entre entes públicos e privados devem ser cada vez mais estimuladas, no sentido de aproximarem o universo digital das escolas. E isso deve estar presente já no processo de formação de professores, para que essa qualificação da atenção com o que encontramos na internet não se dê pelas mãos dos estudantes. O choque geracional faz com que o professor assuma que os estudantes “sabem mais que ele” sobre assuntos digitais, mas é o conteúdo que está em questão aqui, não o meio em si. O diálogo com as secretarias municipais de educação e as prefeituras precisa acontecer.

Algumas certezas na era da incerteza: o papel das evidências na tomada de decisões

O 2º momento do dia trouxe a importância do trabalho com dados para sustentar a tomada de decisões das(os) gestoras(es) educacionais. Para o debate sobre um tema tão estratégico e imediato, participaram do Educação 360 Lucia Dellagnelo (Centro de Inovação para Educação Brasileira – CIEB), Mirela Carvalho (Instituto Unibanco), Patrícia Guedes (Itaú Social), Rosalina Soares (Fundação Roberto Marinho) e Marcus Barão (Conselho Nacional da Juventude – Conjuve).

Monica Pinto, da Fundação Roberto Marinho, foi a mediadora e lançou a questão que deu o tom das conversas a partir dali: Quão importante é o uso de dados para garantirmos o acesso de todas e todos a uma educação básica de qualidade?

Print de uma tela mostrando uma vídeo conferência, com seis pessoas, cada uma em seu respectivo computador

Para ilustrar a provocação de Monica, Patrícia Guedes apresentou dados da recente pesquisa Educação não presencial na perspectiva dos estudantes e suas famílias, fruto de parceria do Itáu Social com Fundação Lemann, Imaginable Futures e Datafolha.

A pesquisa teve abrangência nacional e ouviu mães, pais ou responsáveis de estudantes de escolas públicas municipais e estaduais brasileiras. Trata-se de um universo de crianças e jovens com idade entre 6 e 18 anos, dos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. Estes foram os objetivos do trabalho:

  • Identificar se as(os) estudantes dos ciclos Fundamental e Médio estão recebendo, acessando e realizando as atividades de aprendizado remoto durante a pandemia no Brasil;
  • Mapear as dificuldades enfrentadas pelas(os) estudantes em relação ao acesso, às rotinas e sua motivação;
  • Identificar percepções das(os) responsáveis sobre a qualidade do apoio das escolas, evolução nos estudos, possibilidades de abandono, assim como os desafios no apoio da rotina de aprendizagem em casa.

Para Patrícia, os dados da pesquisa reforçaram preocupações, como a dificuldade de acesso a ferramentas digitais e à internet, mas trouxeram outros pontos importantes também. Um comportamento comum a estudantes de todo o Brasil: o uso combinado de celular e material didático impresso para os estudos.

Sobre o campo emocional da(o) estudante, Patrícia expôs mais dados: “Tem aumentado o desgaste e a desmotivação. A proporção de famílias que têm medo de as crianças e adolescentes abandonarem os estudos também cresceu”.

“Entender que há diferentes grupos é essencial para pensarmos sobre o cenário da educação no Brasil. E envolver as famílias é imprescindível”

Lucia Dellagnelo abordou ferramentas de apoio à gestão educacional, citando as iniciativas, os materiais e as sugestões concebidas pelo Cieb nesse sentido. Foram as seguintes:

Partindo da escuta das redes, para saberem o que poderia ser feito para a educação diante da pandemia, o uso de plataformas digitais foi um caminho natural e bastante positivo, segundo Lucia. Claro: para aquelas que tiveram/têm condições técnicas que viabilizem as ferramentas tecnológicas. O acesso à educação, durante a pandemia, para as comunidades mais necessitadas tem de ser garantido por meio de uma distribuição efetiva de material didático.

Os dados coletados nas secretarias estaduais e municipais revelaram aspectos importantes:

  • 78% dos estados e 45% dos municípios estão fazendo algum acompanhamento de atividades não-presenciais
  • 40% das redes afirmam que professores estão com dificuldades no ensino remoto
Baixa ou nenhuma conectividade, falta de dispositivos em casa e dificuldade no uso de ferramentas são os maiores desafios para estudantes
Imagem de uma mulher loira de cabelos lisos e óculos de grau. Ela está de fones de ouvido e falando. A imagem é de um print da tela enquanto ela estava em uma videochamada

Mirela Carvalho focou suas observações nos registros administrativos que precisam ser coletados com frequência pelas redes para serem analisados pelos tomadores de decisão.

“Quando a crise causada pelo novo coronavírus começou, as redes digitais foram ágeis em divulgar informações sobre os acessos dos professores. Foi uma ação da educação nas redes municipais, que responderam rapidamente ao que estava acontecendo”, disse Mirela. E completou: “Naquele momento, em março, achava-se que o retorno seria logo, que a necessidade do ensino remoto seria breve, transitória”.

Como aumentar a qualidade do atendimento remoto?

De acordo com Mirela, é preciso redefinir variáveis-chave para a gestão educacional. “Há modelos síncronos, mas também existem alternativas como tv, rádio, youtube, que trazem consigo um desafio importante: como metrificar o uso de tais ferramentas?”. Mirela reitera: “A coleta de dados não poderá ser do jeito que sempre foi”.

“É importante agilizar o processo de tomada de decisão”

Print da tela de uma videochamada mostrando um homem de barba e bigode e cabelo curto e preto

Dando continuidade ao debate, Marcus Barão propôs que todas e todos refletissem sobre como a ineficiência na gestão educacional causa desperdício de recursos.

“Quando temos evidências mais sólidas, podemos criar caminhos mais seguros para tomarmos decisões mais acertadas. Neste período da pandemia, iniciamos muitos debates com várias instituições como Fundação Roberto Marinho, Unesco e outras, sobre o impacto da pandemia no jovem do Brasil”, compartilhou Barão.

Ele ressaltou a importância de um olhar atento para as juventudes: “Temos a maior geração de jovens da história do país. Saúde mental e suicídio surgem como desafios gigantescos. Somamos a essa equação o alto nível de desemprego do jovem e vemos que é uma missão complexa que temos para encarar”.

“Podemos tentar construir uma 2ª metade de século mais educada, próspera, que não deixe nenhum pra trás”

Print de uma tela mostrando videochamada. Aparece uma mulher de cabelos claros e presos falando. Ela está de fones de ouvido

Rosalina Soares apresentou dados da Pesquisa Juventudes e a pandemia do coronavírus, trabalho que é resultado da parceria entre o Conjuve, a Fundação Roberto Marinho e outras instituições dedicadas à Educação: “O envolvimento da(o) jovem foi essencial para que conseguíssemos um universo amostral tão grande, reunindo informações de mais de 34 mil jovens pelo país”.

Ainda que não seja surpresa, dos aspectos que mais saltam aos olhos na pesquisa, estão as diferenças entre os dados sobre estudantes da rede pública e da rede privada. Alguns recortes específicos foram mencionados por Rosalina:

  • Estudantes no Ensino Médio da rede privada estão, em sua ampla maioria, na “idade certa” (entre 15 e 17 anos);
  • Estudantes da rede pública se declaram como negros em proporção substancialmente maior do que na rede privada;
  • A participação na renda familiar é muito maior no caso dos estudantes da rede pública (jovens têm de trabalhar mais cedo). O jovens da rede privada dependem mais da família.

Outro ponto importante, especialmente neste contexto de pandemia, mereceu destaque:

Apenas 30% dos jovens da rede pública disseram ter aparelhos e internet suficientes para acessar conteúdos online.

Rosalina finalizou a participação no Educação 360 com uma mensagem que os jovens transmitiram por meio do que responderam para a pesquisa: “A pandemia levou os jovens a enxergarem a profissão do educador, a importância da ciência, a valorização do conhecimento e da solidariedade como valores permanentes”.

Aprendendo sempre: uma coalizão para apoiar a educação durante a pandemia

Print de uma tela mostrando uma vídeo conferência, com uma mulher compartilhando uma outra tela

Tatiana Klix apresentou a plataforma Aprendendo Sempre, iniciativa fruto da reunião de esforços de diversas organizações sociais para apoiar gestores educacionais, professores e famílias. O objetivo do sistema é garantir que todas e todos os estudantes continuem aprendendo e se desenvolvendo durante a pandemia por meio de diversos conteúdos e soluções gratuitas.

Em seguida, Tatiana fez uma leitura do cenário da educação no momento atual: “Todas e todos tivemos de nos adaptar a novas práticas, novas rotinas, muitas delas bastante inesperadas. Famílias com crianças menores tiveram de se envolver muito nas rotinas escolares, para que as crianças conseguissem ao menos acessar as plataformas; para que tivessem contato com professores e com o que a escola oferecesse”.

De acordo com Tatiana, do ponto de vista das famílias de jovens e adolescentes, as questões mais urgentes são outras: lidar com a saúde mental delas e deles e as preocupações com o Enem, por exemplo. Ela elencou ainda o que gestores educacionais estão enfrentando por conta da pandemia: “Eles tiveram de se organizar com novas estratégias, atentos à equidade e, neste momento, com a preocupação do retorno, com a forma de se comunicar com a comunidade escolar. Os professores, por sua vez, precisaram focar em como se conectar com os estudantes, como se comunicar com suas famílias. E, claro, sem deixar de lado o autocuidado”.

“Neste momento, é essencial incentivar professores, estudantes e familiares a manterem-se engajados com o ensino”

A participação do professor Luiz Felipe Lins no 2º dia do Educação 360 trouxe um gostinho especial ao evento: ele compartilhou com todas e todos como foi o início das atividades remotas com estudantes e algumas experiências que suas turmas têm realizado. “A primeira semana de aulas online foi muito desgastante, tudo dava errado. Minhas e meus estudantes começaram a me instruir com ferramentas pra que a qualidade tecnológica fosse garantida. A partir dali, tudo começou a fluir”.

No sentido de problematizar e refletir sobre a Matemática para o estudo de algoritmos e fluxogramas, Luiz propôs que as turmas trabalhassem por meio de receitas culinárias. “Cada estudante filmou com seu próprio celular o processo de fazer determinados pratos, organizando os passos, mapeando cada etapa daquele processo, para criar o fluxograma e podermos trabalhar os algoritmos”, conta Luiz.

Para outros temas, como unidades de medida, números e operações, a estratégia foi outra: “O meio que encontramos foi usar jogos que elas e eles pudessem trabalhar com suas famílias, permitindo que cada estudante ensinasse a um familiar algum conceito matemático”.

Por inciativas como essas, Luiz Felipe Lins foi um dos vencedores do Prêmio Educador Nota 10 2020.

Educação e tecnologia unidas para sempre?

Coube a Anant Agarwal o encerramento do 2º dia do Educação 360. Agarwal refletiu sobre a educação online no chamado “ novo normal”, desencadeado pela COVID-19, e as possibilidades que a plataforma edX oferece para o ensino remoto.
 

Print de uma tela mostrando uma vídeo conferência, com duas pessoas, cada uma em seu respectivo computador

A edX passou de mais de 1 milhão de usuários no Brasil por conta da pandemia e da consequente busca por alternativas de educação online. Dedicada a educação e aprendizagem, conta com mais de 20 milhões de alunos pelo mundo.

Para Anant, “jovens querem programas que lhes permitam aprender habilidades específicas em um tempo mais curto e que lhes garantam um diferencial profissional”. Ele disse ainda que os créditos conquistados na edX são aceitos em diversas universidades americanas, facilitando e acelerando o processo de formação.

No campo de formação de professores, Agarwal mencionou que a plataforma conta com cursos de 1 semana sobre como criar materiais para aulas online e até sobre como ministrar aulas remotamente. Importante: a maior parte dos conteúdos da edX está em inglês.

E foi de Mirela Carvalho a síntese do dia de debates e trocas de conhecimentos do 2º dia do Educação 360:

“Precisamos trabalhar uma educação que faça mais sentido, com competência, porque isso afeta o engajamento. Mas precisamos também de estratégias de recuperação mais efetivas, que tratem das relações dento da escola e do racismo. Se não olharmos para o histórico, essa educação sem sentido, com várias lacunas que se acumulam e o racismo, não conseguiremos avançar”.

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