Notícia: Meninas: Infâncias Violadas

Debate desta terça-feira (15/09) discute o cenário da violência sexual contra meninas e possíveis caminhos para mudá-lo

Uma menina triste sentada em um deque de madeira com um lago ao fundo
Somente no ano de 2018, mais de 21 mil bebês nasceram de crianças com idades entre 10 e 14 anos

No mês de agosto, veio a público o caso da menina de 10 anos, moradora de São Mateus (ES), que, após ser estuprada pelo tio durante 4 anos, descobriu estar grávida. A interrupção da gravidez é garantida pela legislação brasileira para casos de estupro, risco de morte da mãe ou anencefalia do feto. Apesar de se enquadrar nessas características, a criança não teve seu direito garantido no seu estado, e precisou ser levada de avião até o Pernambuco para realizar o procedimento.

Essa história, infelizmente, não é um caso isolado. Somente no ano de 2018, mais de 21 mil bebês nasceram de crianças com idades entre 10 e 14 anos, segundo dados do DataSus. No Brasil, qualquer gravidez até os 14 anos da mãe é resultante de estupro, levando em consideração o artigo 217-A do Código Penal, que prevê que “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos” é crime, independentemente do consentimento da vítima.

O Debate desta terça-feira (15/09) discute o cenário da violência sexual contra meninas brasileiras, a partir de uma análise da série de negligências sofridas pela menina do Espírito Santo e de uma reflexão sobre como combatê-las.

Para entender melhor esse contexto e debater possíveis formas de evitar tais violações, a apresentadora Gabriela da Cunha conversou com a Caroline Arcari, pedagoga e mestra em Educação Sexual, com a Adriana Peres, do Núcleo Especializado da Infância e da Juventude da Defensoria do Espírito Santo, e com Maria José Rosado, fundadora, no Brasil, do grupo Católicas pelo Direito de Decidir.

O Debate também abordou o vazamento dos dados da menina na internet, em uma conversa com a diretora do Instituto de Referência em Internet e Sociedade (Iris) Luiza Brandão. Para falar sobre a atuação do terceiro setor e estratégias para reagir a essas violações, o Debate conversou com a Viviana Santiago, gerente de Gênero e Incidência Política da Plan International Brasil, e com a Priscila Pereira, coordenadora de Mobilização  da Fundação Roberto Marinho.

As violações

Um levantamento da Agência Pública, com dados do DataSus, mostrou que, nos últimos dez anos, 158 meninas com até 14 anos engravidaram e levaram a gestação até o fim na cidade de São Mateus, onde vivia a menina de dez anos estuprada pelo tio.

Em São Mateus (ES), é registrado cerca de 1 parto de menina de até 14 anos a cada mês

Isso significa que o município, no interior do Espírito Santo, tem registrado quase um parto de menina de até 14 anos por mês. A defensora pública do estado, Adriana Peres, explica que o órgão atua como integrante da rede de proteção a crianças e adolescentes e se preocupa muito com a questão da violência sexual, que não é restrita a São Mateus, mas se faz presente em todos os municípios. “Essa é uma questão urgente e grave”, alerta a defensora.

Mulher branca, sorridente e de cabelos compridos olhando para quem bate a foto
A defensora pública do Espírito Santo, Adriana Peres, esclarece o quanto é preocupante a questão da violência sexual contra meninas no estado. (Foto: Acervo Pessoal)

Além da violência sexual sofrida e da dificuldade de acesso ao direito de interrupção da gravidez, a menina do Espírito Santo enfrentou mais uma violação de direitos: ela teve suas informações expostas na internet, incluindo o nome e o endereço do hospital onde o procedimento seria realizado.

A Lei Geral de Proteção de Dados estabelece direitos em relação à divulgação de dados pessoais sensíveis, que são aqueles relacionados a raça ou etnia, orientação religiosa, posicionamento político, vida sexual ou saúde, ou seja, dados que causem vulnerabilidade ou possibilidade de discriminação.

“Com a aprovação dessa lei, criou-se uma expectativa de que os dados de crianças e adolescentes sejam ainda mais protegidos, justamente porque as consequências de uma exposição podem ser ainda mais sofridas nessa faixa etária”, explica Luiza Brandão, diretora do Iris, em entrevista ao Debate.

Mulher branca e jovem está sorrindo e olhando pra quem bateu a foto. Ela usa óculos de grau e tem cabelos castanhos e quase encostam nos ombros
Luiza Brandão, diretora do Iris, explica as violações da Lei Geral de Proteção de Dados que foram sofridas pela menina de 10 anos violentada pelo tio no Espírito Santo.

Esse vazamento de dados levou grupos de conservadores e fundamentalistas religiosos para a porta do hospital onde a menina passaria pelo procedimento de interrupção da gravidez. Os grupos acusavam a criança, seus familiares e a equipe médica de estarem cometendo um assassinato.

Além disso, quando o caso veio a público, o presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) classificou a interrupção da gravidez da menina como um crime hediondo. Fundadora do Católicas pelo Direito de Decidir, Maria José Rosado conta ao Debate que o grupo repudiou veementemente essa fala do presidente da CNBB e que houve um posicionamento parecido em outros grupos religiosos progressistas. “A violência contra as meninas e contra as mulheres é que deveria estar sendo discutida na sociedade, além da necessidade absoluta e urgente de se legalizar o aborto no país”, pontua Rosado.

“A violência contra as meninas e contra as mulheres é que deveria estar sendo discutida na sociedade, além da necessidade absoluta e urgente de se legalizar o aborto no país”

Ainda que a história da violência sexual por si só tenha chocado o país, a interrupção da gravidez gerou muitas polêmicas e manifestações contrárias, principalmente por parte desses grupos religiosos e conservadores. “Vários fatores explicam essa comoção maior em torno do aborto legal, mas me chama muita atenção esse combinado entre o cenário político conservador, de fundamentalismo religioso, junto com essa sociedade absolutamente machista, patriarcal, que objetifica as crianças”, explica a pedagoga Caroline Arcari.

Como evitar a violência sexual contra meninas?

Além de analisar esse cenário tão problemático, essa edição do Debate buscou aproveitar a experiência das convidadas para discutir possíveis soluções e estratégias de prevenção a essas violações. Organizações do terceiro setor como a Plan International Brasil e a Fundação Roberto Marinho (FRM) têm um papel fundamental nesse enfrentamento e, para falar sobre esse trabalho, a equipe do Debate conversou com representantes de ambas.

A gerente de Gênero e Incidência Política da Plan Viviana Santiago conta que os direitos das meninas são uma questão prioritária para a organização.

Mulher negra de óculos de grau, batom vermelho, brincos grandes em formato de círculo e cabelos curtos e encaracolados

“Geralmente, na sociedade, aquilo que se espera para uma mulher se coloca na vida de uma menina, o que acrescenta muitos fatores de desproteção à dinâmica que uma menina vivencia. Então nós entendemos que precisamos mostrar que existe desigualdade de gênero na infância e que essas meninas não conseguem acessar os seus direitos por serem meninas”, pontua Santiago.

Assista ao Debate sobre os 30 anos do ECA!

A FRM é outra organização com diversos trabalhos voltados para o enfrentamento dessas violações. A coordenadora de Mobilização da Fundação Priscila Pereira conta ao Debate que a FRM tem uma atuação de mais de 10 anos no enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes, com um olhar específico para as meninas.
 

Mulher branca, de cabelos bem curtos está sorrindo pra quem bateu a foto
Priscila Pereira, coordenadora de Mobilização da Fundação Roberto Marinho, atua no combate à violência sexual contra crianças e adolescentes. (Foto: Acervo Pessoal)

A série de programas “Que exploração é essa?”, “Que abuso é esse?” e “Que corpo é esse?” é um exemplo dessa mobilização . “Nós atuamos por meio da incidência política, então participamos de fóruns, conselhos, em vários estados brasileiros, para pensar em políticas públicas”, explica a coordenadora de Mobilização.

Um dos principais aspectos abordados por esse Debate é o fato de o caso da menina do Espírito Santo não ser uma ocorrência isolada. Na verdade, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019 aponta que quatro meninas de até 13 anos são estupradas no país a cada hora.

A pedagoga Caroline Arcari traz para o Debate a ideia da educação sexual como uma ferramenta de prevenção, e ressalta: antes de mais nada, o acesso a essa educação é um direito. “Saber sobre o corpo, anatomia, fisiologia, entender sobre consentimento, partes íntimas, limites, autoestima, tudo isso já faz parte da educação global e é um direito de crianças e adolescentes que está garantido pela legislação. O desafio é fazer com que esses conhecimentos cheguem de fato a esse público”.

Mulher branca e de cabelos castanhos bem longos e soltos está olhando para quem bateu a foto
A pedagoga Caroline Arcari ressalta a importância da educação sexual para as crianças como medida preventiva às possíveis violações infantis. (Foto: Acervo Pessoal)

Ela ainda acrescenta que diversas pesquisas mostram que crianças e adolescentes que têm educação sexual em algum momento da vida estão mais protegidas e menos vulneráveis.

Além da educação sexual, a articulação entre os atores da rede de proteção foi uma das principais sugestões das convidadas como estratégia de combate à violência sexual contra crianças e adolescentes.

“Eu acho que só uma construção coletiva de esforços, não só do sistema de justiça, mas de todos nós enquanto sociedade, será capaz de reduzir, a curto e médio prazo, tantas violações de direitos fundamentais”, pontua a defensora pública Adriana Peres.

Confira essas temáticas no Debate apresentado por Gabriela da Cunha nesta terça-feira (01/09), às 21h, nas telas do Canal Futura e disponível também no Futura Play.

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