“Trabalhei conteúdos de matriz africana por meio do contato lúdico, abrindo espaço para debates antirracistas e de valorização dessas culturas”
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Viajando pela cultura africana
Imagine uma aula de Educação Física que conecte as atividades com o corpo a conhecimentos sobre a história da África, sua influência na cultura brasileira e conteúdos de outros componentes curriculares.
Pois foi isso que a professora Suzi Dornelas planejou e pôs em prática com sua turma do 5º ano do Ensino Fundamental, na Escola Estadual Professor José Ranieri, em Bauru, São Paulo. O projeto pedagógico Viajando pela cultura africana levou Suzi a ser uma das vencedoras do Prêmio Educador Nota 10 2020.

Futura: Como surgiu a ideia de trabalhar a Educação Física por meio de jogos e brincadeiras de origem africana?
Suzi Dornelas: Utilizo a Educação para as Relações Étnico-Raciais em minhas aulas desde 2014, quando fui convidada a participar de um projeto de extensão sobre essa temática no departamento de Educação Física na Universidade Estadual Paulista de Bauru (Unesp), o “Brincando e Dialogando”. A partir dali, passei a buscar materiais didáticos e respaldo teórico que ajudariam a sustentar minha atuação pedagógica.
Percebi como o ambiente escolar era carente de uma abordagem realista sobre a história e a cultura africanas e afro-brasileiras, ficando restritas a datas comemorativas e ao componente curricular de História. Isso me motivou a trabalhar conteúdos de matriz africana por meio do contato lúdico em minhas aulas e dar mais espaço para debates antirracistas e de valorização dessas culturas com as(os) estudantes.
“O Festival proporcionou um momento de interação de estudantes e familiares por meio de uma experiência intercultural. E isso extrapolou para toda a comunidade escolar!”
Futura: Vamos falar um pouco sobre as ações pedagógicas interdisciplinares e transdisciplinares que planejou para o Festival Viagem pelos Caminhos da África? O que você escolheu, tecnicamente, para os momentos de interação da turma?
Suzi: A intenção das aulas do projeto era que o conhecimento não se restringisse apenas a Educação Física. Busquei integrar outras áreas do conhecimento, como História e Geografia. Em todas as aulas as crianças eram convidadas a “Viajar pela cultura africana”, aprendendo, por meio de jogos e brincadeiras, as características históricas, geográficas e culturais de determinado país e, indo além, no contexto afro-brasileiro também.
Com isso, as professoras dos outros componentes curriculares passaram a contribuir com o projeto em suas aulas: a “professora polivalente” (pedagoga) abordava leituras de histórias da África, enquanto a de Artes construía máscaras e bandeiras africanas, abordando também elementos culturais como o rap, as personalidades negras e os instrumentos musicais específicos de cada lugar.

Futura: Desde a concepção até a realização, o que considerou como pontos primordiais do projeto Viajando pela cultura africana?
Suzi: A realização teve vários aspectos relevantes. Primeiramente, foi perceber que as próprias crianças estavam realmente motivadas a compartilhar o que aprendiam. A partir disso, a ideia de realizar um festival para que elas e eles compartilhassem suas experiências fez muito mais sentido.
Todas e todos contribuíram para que fosse especial. Familiares, que além de participarem das atividades, contribuíram fazendo as comidas africanas e afro-brasileiras, trazendo coisas de suas casas pra decoração da escola. O corpo de funcionárias e funcionários da escola se envolveu em cada detalhe da exposição dos trabalhos realizados pela turma. As(os) estudantes foram protagonistas de sua aprendizagem e organizaram todos os detalhes do evento, priorizando o diálogo e a participação de todas(os). As professoras parceiras da turma nos auxiliaram muito também.
“A realização e a efetivação dessa ação pedagógica, com gestão escolar, coordenação, funcionários, professoras, estudantes e familiares, foram a riqueza do processo”

Futura: O planejamento das ações pedagógicas do projeto considerou bastante o contexto local, como podemos ver…
Suzi: Acredito ser primordial considerar o contexto da comunidade escolar no planejamento das ações pedagógicas, e isso vem muito ao encontro do trabalho que realizo com a perspectiva da Educação para as Relações Étnico-raciais. É na escola que acontece o encontro de várias culturas, etnias, crenças, raças, e é extremamente importante promover, ali, diálogos sobre respeito e valorização dessa diversidade presente em nossa sociedade.
“A intenção das aulas do projeto era que o conhecimento não se restringisse apenas a Educação Física. Integramos outras áreas do conhecimento, como História e Geografia”
Futura: Em tempos de pandemia, por conta do novo coronavírus, que sugestões você daria para as(os) colegas que se veem diante do desafio de trabalhar a Educação Física de forma remota?
Suzi: O ensino remoto tem sido desafiador para todas(os) nós, educadores, pois estamos tendo de reformular a didática das aulas repentinamente, especialmente para os educadores da área da Educação Física, pois tratamos das questões do corpo e do movimento. É indispensável a presença dessa(desse) profissional para que uma prática segura possa ser garantida.
Penso que este seja o momento de mostrarmos que a Educação Física pode ir além do “saber fazer corporal”, proporcionando reflexões nos estudantes. Que possamos compreender a área para além da prática física, propondo vivências contextualizadas, estimulando o protagonismo de cada uma e cada um em suas aprendizagens, criando ambientes seguros para sua realização e para a reflexão sobre os temas abordados.

Sobre o Prêmio Educador Nota 10
O Prêmio Educador Nota 10 foi criado em 1998 pela Fundação Victor Civita que, desde 2014, realiza a premiação em parceria com Abril, Globo e Fundação Roberto Marinho.
Reconhece e valoriza professores da Educação Infantil ao Ensino Médio e também coordenadores pedagógicos e gestores escolares de escolas públicas e privadas de todo o país.
O Prêmio tem o patrocínio da Fundação Lemann, SOMOS Educação e BDO, e o apoio da Nova Escola, Instituto Rodrigo Mendes e Unicef. Desde 2018, o Prêmio Educador Nota 10 é associado ao Global Teacher Prize, prêmio global de Educação.
Ao longo das últimas 22 edições, foram recebidos mais de 75 mil projetos, e foram premiados 241 educadores, entre professores e gestores escolares, que receberam aproximadamente R$ 2,6 milhões.