O que podem os nossos corpos?
Compartilhar
Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, de junho de 2022, o cenário de violência tem cor. Hoje, a chance de uma mulher negra ser estuprada é 11,3% maior do que a de uma mulher branca. Entre a vítimas de estupro de até 13 anos de idade, 49,4% eram meninas negras.
Todos esses dados confirmam a ausência de políticas públicas que realmente alcancem nossos corpos. Quando cruzamos esses dados com o noticiário das últimas semanas, podemos imaginar o peso de ser mulher e negra, pois você terá mais chance de ser estuprada e se tentar doar ou abortar o seu filho, esse direito será, pelo menos, questionado, porque o corpo da mulher é objeto de controle da sociedade.
O duplo estigma (ser mulher e ser negra) se soma nessa discussão sobre a regulamentação dos nossos corpos, pois nos faz perceber que se enquanto mulher já podemos cada vez menos, imagina enquanto mulher e negra. Toda essa discussão sobre os corpos pretos já vinha martelando na minha cabeça há um tempo, pois há algumas semanas eu estava em um festival de música e vi um grupo de pessoas incomodadas com os movimentos “suspeitos” de um menino negro.
Ele estava parado e de vez em quando projetava o seu corpo para frente, como se estivesse olhando para algo além que, ao olhar das pessoas próximas, parecia ser para a menina que dançava na frente dele. Depois de um tempo a menina que estava perto virou para o amigo da menina que dançava e falou: fica perto dela. O rapaz, percebendo que aquele movimento tinha a ver com ele, logo se explicou, dizendo que estava olhando para uns amigos que estavam mais à frente. Depois de um tempo, e de todo esse desconforto, ele resolveu mudar de lugar.
Aquela sensação me trouxe um mix de sensações, porque ele poderia ser um assediador, mas ele também poderia apenas ser uma pessoa que estava olhando para os amigos que estavam à frente. Eu nunca terei essa resposta, mas perceber os sentimentos que nossos corpos provocam me faz questionar sobre uma regulamentação do corpo preto que ultrapassa, inclusive, a questão de gênero. Me faz pensar sobre quantas violências um corpo preto pode acumular.
Quando penso no meu corpo enquanto mulher e mulher negra e percebo este peso duplo me sinto sufocada e impotente. Carregar esse duplo estigma, no mínimo, é carregar consigo uma bolsa de grife, mas ainda assim olhar pro lado e perceber 6 seguranças no seu entorno, porque apesar de carregar algum signo da elite, ao meu corpo aquele espaço não é permitido. É viver como alvo de violências constantes.
A violência tem cor no Brasil, e não venha me dizer que é questão de renda. Não assumir o próprio racismo e as suas tecnologias de opressão é reproduzir a lógica do opressor.
Eu convido todos que lerem essa coluna a pensarem sobre o que seus corpos podem, mas o que, principalmente, os corpos negros que vocês conhecem podem. Defender nossos direitos enquanto mulheres é importante, mas acima de tudo é importante entender a amplitude do que é ser mulher e todos os seus recortes.
Que possamos derrubar o patriarcado, mas que não esqueçamos que precisamos derrubar o racismo também, e que essas são lutas que precisam andar juntas.