Sobre portas, espelhos e pontes
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Como a educação e o audiovisual moldaram e mudaram minha realidade
Há dois anos, eu fui finalista do Prêmio LED com o projeto Conversas que Inspiram – uma websérie que reuniu professores e estudantes LGBTs para discutir como tornar a escola um espaço mais inclusivo. Graças a esse projeto, eu entrei para a lista dos 15 projetos de educação mais inovadores de 2023 e vi muitas portas se abrirem. Sem dúvida, posso dizer que foi o projeto mais importante que produzi até agora. Sempre que o revisito, lembro de tudo o que me permitiu contar essas histórias para o mundo.
Passei minha infância, adolescência e começo da juventude em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Meus pais, ambos professores, priorizaram investir tudo o que tinham (e o que não tinham) na minha formação. Além disso, eu sempre fui apaixonado por audiovisual. Lembro do quanto eu adorava ir à locadora escolher um filme, embora quase sempre me esquecesse de rebobinar a fita antes de devolver.
Ainda na infância, lembro também do seu Jorge: um senhor que filmava formaturas na escola de bairro onde eu estudava e que mantinha uma pequena loja de xerox e fotografia. Ele foi minha primeira referência no universo do audiovisual.
À medida que cresci, meu interesse pela arte de produzir vídeos só aumentou. Entretanto, mesmo com a tecnologia se tornando cada vez mais acessível, minhas possibilidades se restringiam ao que eu conhecia: o seu Jorge, sua filmadora e a modesta loja de xerox e fotografia. Até que, anos depois, alguém abriu a primeira porta.
Ao entrar na faculdade, fiquei encantado ao ver o estúdio de TV e recebi a oportunidade de atuar como monitor voluntário. Depois de atravessar essa primeira porta, muitas outras se abriram: gravei meu primeiro curta-metragem, conheci inúmeras pessoas e tive acesso a oportunidades incríveis. Porém, conquistar e entrar em novos espaços era apenas uma etapa da jornada. Ter portas abertas foi o início, mas eu precisava de espelhos.
Recentemente, me deparei com a expressão “a presença da ausência”, que me fez refletir. Embora haja poucos dados sobre isso, é fácil perceber que a maioria dos alunos de cursos de cinema e audiovisual pertence às classes média e alta. Mesmo com a democratização do acesso à tecnologia, ainda há um recorte muito específico de quem ocupa lugares de destaque nesse mercado.
Ao longo do caminho, tive a sorte de encontrar pessoas que foram verdadeiros espelhos para mim. Uma delas foi Samantha Almeida, hoje diretora de marketing da Globo, que me inspirou a construir uma carreira repleta de propósito. Pessoas como ela não só me fizeram enxergar novas possibilidades, mas criaram pontes para que eu pudesse superar inseguranças e avançar em direção a espaços onde fosse possível deixar um legado. É nesse ponto que retorno ao lugar onde toda esta conversa começou.
Agora, eu revisito essas lembranças por uma nova perspectiva. Em breve, será lançada uma nova temporada do Conversas que inspiram: uma série que criei e produzi ao lado do Bruno Ferreira para falar sobre representatividade LGBTQIA+ no mercado de trabalho. Dessa vez, teremos na tela uma apresentadora uma mulher trans e negra (Giovanna Heliodoro) ao lado de um homem gay e negro (Pedro Cruz), conversando com referências do mercado como Samuel Gomes, Gabriela Augusto e Thalita Gelenske. Tudo isso no maior canal de educação em TV aberta do Brasil e no Globoplay.
Mesmo que a realidade nos desafie, existem motivos para acreditar que tudo vai melhorar. E pra isso acontecer, precisamos que mais portas sejam abertas e mais espelhos possam inspirar pessoas em espaços de poder como o ambiente corporativo. Um dia, essa porta foi aberta para que o Conversas pudesse existir e ser espelho para tantas pessoas que se verão representadas na tela.
A falta de representatividade em um ambiente pode transformar uma oportunidade em tortura – é como chegar a um lugar sem mapa ou referências. Nesse sentido, a educação é uma ferramenta que abre portas, enquanto o audiovisual permite que outras pessoas vejam suas histórias e identidades representadas. Juntas, a educação e o audiovisual criam portas e espelhos, e estes, por sua vez, constroem pontes para que cada vez mais indivíduos ocupem espaços com a certeza de que podem e devem estar ali.