Sorteio, Deliberação Cidadã e Reconstrução Democrática: de volta para o futuro
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Imagine-se como um cidadão grego na Atenas do século IV a.C (na época teria que ser um homem livre nascido na cidade, mas estima-se que mais da metade deles tenha exercido funções públicas por sorteio), no meio de uma sessão do Conselho Popular ponderando pontos polêmicos e exercendo seu dever cívico, após ter sido sorteado para um mandato de até um ano.
Imagine-se agora em sua casa, recebendo um convite da Câmara Municipal (ou da Prefeitura), porque foi sorteada(o), junto com outros 40 a 100 moradores, para deliberar sobre locais mais adequados para construção de novos hospitais ou sobre diretrizes para planos habitacionais. Reunidos em uma sala virtual ou, se as condições sanitárias permitirem, num espaço para conferências, o grupo sorteado faz uma imersão no problema, ouve e questiona “testemunhos” de especialistas e partes interessadas e chega, de comum acordo, às suas recomendações, que são registradas em um documento apresentado e discutido com autoridades e amplamente divulgado para a comunidade.
Essa cena imaginária já é realidade para milhares de pessoas ao redor do mundo, incluindo o Brasil. Um dos autores que estuda e nos conta sobre a retomada recente dessa forma clássica de democracia é André Rubião, em O sorteio na política: como os mini públicos vêm transformando a democracia.

Deliberação Cidadã para melhores decisões coletivas
Trata-se de uma forma inovadora de participação, genericamente chamada de Minipúblico e mais conhecida como Júri Cidadão ou Assembleia Cidadã. Uma “onda deliberativa” é acompanhada de perto por organismos internacionais, como a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) que publica anualmente o relatório “Pegando a Onda Deliberativa” (Catching the Deliberative Wave_highligts). Estão todos interessados no “modo cidadão” e na participação informada dos Minipúblicos, como antídoto para a polarização, a desinformação e a desconfiança política.
Brasileiras e brasileiros já deliberaram para ajudar a regulamentar mototáxis de Ilhéus, alavancar a reciclagem em Fortaleza, democratizar o acesso a recursos públicos para a cultura em Belo Horizonte, garantir a educação pública em comunidades de Salvador no contexto da pandemia e definir o orçamento de investimentos públicos de subprefeituras de São Paulo (para saber mais veja “nosso trabalho” no site www.deliberabrasil.org).
Mudanças Climáticas, Governança da Internet, Redução da Desigualdade, Combate à Corrupção, Orçamento Público, Previdência Social e Educação estão entre os temas candentes e complexos cada vez mais submetidos à deliberação por sorteio em cidades, países e até no âmbito global (www.globalassembly.org).
Assembleias Cidadãs vieram (de volta para o futuro) para ficar, para colocar pessoas como você, eu e sobretudo as mais distantes do poder e pouco representadas, no seu devido lugar: no centro de uma democracia reconstruída e revigorada.
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Silvia Cervellini é formada em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em opinião pública pela Universidade de Connecticut. Foi diretora do instituto de pesquisa IBOPE. É coautora do livro “O que é Opinião Pública”. E atualmente é cofundadora e coordenadora do Delibera Brasil. Aqui, vai escrever mensalmente sobre Democracia e participação cidadã.