Notícia: Brasil tem uma das polícias mais letais da América Latina

Brasil tem uma das polícias mais letais da América Latina

Debate desta terça-feira (01/09) analisa o cenário da violência policial no Brasil e suas consequências

Imagem de dois militares uniformizados com o típico traje camuflado, colete à prova de balas e capacete, além de estarem segurando fuzis. Eles estão andando na rua e atrás há uma moça negra de mãos dadas com uma criança negra
40% dos brasileiros de periferias relatam ter sofrido violência policial. Fonte: Instituto Locomotiva

49 milhões de brasileiros declararam já ter sofrido algum tipo de constrangimento durante abordagem policial, de acordo com pesquisa do Instituto Locomotiva, em parceria com a Central Única das Favelas (Cufa). Desses, 50% eram negros e 37% das classes C, D e E. Esses dados foram evidenciados em casos recentes, como os assassinatos do menino João Pedro Mattos, no Rio de Janeiro, e de George Floyd, nos Estados Unidos. O Debate desta terça-feira (01/09) analisa o cenário e as consequências da violência policial no Brasil, e discute sua relação com o racismo estrutural, ainda muito presente no país, além de possíveis alternativas para enfrentar esse problema.

Para entender os aspectos mais gerais desse tipo de violência, incluindo o perfil das vítimas e o que tem sido feito para melhorar esse cenário, a apresentadora Gabriela da Cunha conversou com Elizeu Soares Lopes, ouvidor da Polícia de São Paulo, com Robson Rodrigues, antropólogo e coronel da reserva da Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMERJ) e com Aline Maia, coordenadora do Programa de Direito à Vida do Observatório de Favelas.

A jornalista Flávia Oliveira também concedeu uma entrevista ao Debate para comentar o caso do menino João Pedro Mattos e a importância da mobilização popular no combate a essa violência. A integrante da Comissão Especial de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da OAB Ceará Isabel Sousa também participou do programa, para comentar os impactos da violência policial em crianças e adolescentes.

Cenário da violência policial no Brasil

No Brasil, 11% das mortes violentas intencionais foram provocadas pelas polícias, de acordo com dados do Instituto de Segurança Pública. Isso significa que, em 2018, 17 pessoas foram mortas por dia por esse tipo de violência no Brasil. O estudo mostra que, em diversos países, as mortes por intervenções policiais correspondem, em geral, a 5% do total de homicídios. Nesse sentido, quando o assunto é letalidade policial na América Latina, o Brasil só fica atrás da Venezuela.

A nível internacional, um dos casos mais recentes foi o assassinato de George Floyd, na cidade de Minneapolis, nos Estados Unidos. No dia 25 de maio, um policial ficou ajoelhado sobre o pescoço da vítima durante mais de 8 minutos, com a justificativa de que Floyd, supostamente, tinha utilizado uma nota falsa para comprar um maço de cigarros. O episódio gerou uma comoção mundial e uma série de manifestações em diversos países.

No Brasil, exatamente uma semana antes do caso Floyd, outro episódio de violência policial gerou revolta. O adolescente João Pedro Mattos, de 14 anos, estava dentro de casa, em São Gonçalo, região metropolitana do Rio de Janeiro, durante uma operação policial. A família conta que policiais invadiram a casa atirando, e o menino acabou sendo atingido. João Pedro foi levado da casa por um helicóptero, mas os familiares só tiveram a notícia de sua morte na manhã seguinte. O caso desencadeou diversas manifestações no Rio de Janeiro.

Foto da bela jornalista negra e sorridente Flavia Oliveira
A jornalista Flávia Oliveira comenta os casos de violência policial e como as manifestações pressionaram as autoridades a tomarem providencias.

A jornalista Flávia Oliveira conta, em entrevista ao Debate, que as manifestações pela morte do menino pressionaram as autoridades a tomar providências. No início de junho, o Superior Tribunal Federal proibiu em decisão liminar a realização de operações policiais em comunidades do Rio durante a pandemia do novo coronavírus. Na decisão, o ministro Edson Fachin menciona o caso João Pedro e alguns depoimentos de três lideranças comunitárias: Raul Santiago e Rene Silva, do Complexo do Alemão, e Buba Aguiar, de Acari.

“A capacidade de reação, mobilização e articulação da sociedade civil junto com o judiciário, produziu um resultado inédito e que precisa ser reconhecido e debatido na busca de novos modelos de políticas de segurança”, explica Flávia Oliveira. A jornalista menciona ainda alguns dados do Instituto de Segurança Pública que indicam que a medida já trouxe alguns resultados: enquanto em abril houve um recorde de 177 mortes por intervenção policial e, em maio, houve 129, após a liminar, foram 34 mortes em junho.

Aline Maia, coordenadora do Programa de Direito à Vida do Observatório de Favelas, explica que essa violência policial não é difusa, mas direcionada a certos territórios e a certas populações. “Então nós precisamos levantar a pauta do racismo estrutural, porque são nos territórios de favelas que nós temos as ocorrências de moradores tendo suas casas invadidas sem mandado judicial, o uso de helicópteros como plataforma de tiro e de terror, entre outras situações”, alerta.

Uma mulher negra de roupa branca, óculos de grau e cabelo curto está falando ao microfone
Aline Maia explica que essa violência policial não é difusa, mas direcionada a certos territórios e a certas populações.

Assista aqui ao Debate sobre Racismo Estrutural!

O ouvidor da Polícia de São Paulo, Elizeu Soares Lopes, acrescenta que é preciso considerar o histórico da escravidão no Brasil, uma vez que, durante quase 400 anos, uma grande parcela da população não era considerada digna de direitos. “Antes de apontar que a polícia brasileira é violenta, é preciso saber que o Estado brasileiro é violento e não ressignificou essa grande parcela da população enquanto cidadãos de direitos”, reforça.

“O sistema é ineficiente”

O coronel da reserva da PMERJ Robson Rodrigues acredita que o sistema de segurança pública e de justiça criminal, como um todo, é ineficiente. Para ele, que também é antropólogo, a polícia é o “primeiro balcão de atendimento” das situações mais conflituosas e, portanto, uma reforma no sistema precisa passar pelas polícias, ainda que elas não sejam o único foco. “Precisamos criar um sistema com uma racionalidade por trás, operando de forma integrada para que a gente possa encarar esse problema”, explica o especialista.

Elizeu Soares Lopes acrescenta ao Debate que, para melhorar a abordagem policial, é preciso muito mais transparência e preparo. “Da mesma forma que a população não deveria ver a polícia como inimiga, a polícia não pode olhar para a população como inimiga, sobretudo nas áreas mais vulneráveis”, ressalta.

Imagem de Robson, um homem de cabelos escuros e curtos. Ele é branco, está de paletó por cima de uma camisa social azul clara e mostrando semblante de seriedade
Coronel da reserva da PMERJ Robson Rodrigues acredita que o sistema de segurança pública e de justiça criminal é ineficiente.

Para Aline Maia, é preciso romper com essa lógica de confronto e militarização. “Nós temos que entender que as políticas de segurança pública precisam ter a vida como uma premissa fundamental, esse é o primeiro passo que os movimentos e a sociedade civil têm dito há muito tempo”, afirma.

Sonhos ceifados

Em março de 2017, a menina Maria Eduarda, de 13 anos, foi morta por policiais militares dentro de uma escola em Acari (RJ). Em junho de 2018, o menino Marcus Vinícius, de 14 anos, foi baleado a caminho da escola no Complexo da Maré (RJ). Em setembro de 2019, a menina Aghata Félix, de 8 anos, foi morta pela PM quando voltava da escola, no Complexo do Alemão (RJ).

Não é apenas no Rio de Janeiro que crianças e adolescentes têm sofrido as consequências da violência policial. Em julho deste ano, o menino Mizael Fernandes da Silva, de 13 anos, foi executado pela polícia enquanto dormia, dentro de sua casa, na região metropolitana do Ceará.

Imagem de Isabel, uma mulher de pele parda, cabelos presos e bem sorridente
A advogada Isabel Sousa comenta que o racismo estrutural ainda está muito presente na sociedade.

A advogada Isabel Sousa, integrante da Comissão Especial de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da OAB (CE) explica ao Debate que nos primeiros artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente está previsto o dever do poder público e da sociedade de colocar jovens a salvo de qualquer tipo de violência. “Quando nós falamos da violência letal, esse público que está morrendo já sofre outros tipos de violência. Já é um público vulnerabilizado em relação à escola, à moradia adequada e outros direitos”, alerta.

Em maio deste ano, a Justiça do Estado do Rio proibiu operações policiais ou sobrevoo de helicópteros perto de escolas e creches, a não ser em casos de “perigo iminente, concreto e comprovado”. Além dos riscos de balas perdidas, crianças e adolescentes que vivem em áreas vulneráveis costumam ter seu direito à educação prejudicado. O boletim de segurança pública da Redes da Maré mostra que, em 2019, foram 24 dias de escolas fechadas no Complexo, o que representa 12% dos dias letivos perdidos.

Imagem de Elizeu, um homem negro de cerca de 55 anos, sentado à uma mesa de madeira e trajando um belo terno escuro
Elizeu Soares Lopes, ouvidor da Polícia de São Paulo, comenta que é preciso muito mais preparo.

Além das questões educacionais, há também um recorte racial no cenário da violência policial. De acordo com o Instituto de Segurança Pública, 75,4% das pessoas mortas em intervenções policiais entre 2017 e 2018 eram negras. Além disso, o mesmo estudo mostra que a chance de um jovem negro ser assassinado é quase três vezes maior que a de um jovem branco.

“O racismo se apresenta quando a figura do adolescente negro é vista como a do inimigo, do criminoso, e infelizmente isso ainda é muito presente nos órgãos de segurança pública e nos espaços comerciais”, explica Isabel Sousa.

Sobre as possíveis soluções para um cenário tão complexo, o coronel da reserva da PMERJ Robson Rodrigues trouxe para o Debate a importância de olhar de forma ampla para a situação. “Se a gente continuar expulsando policiais, apontando os mesmos problemas, mas sem entender quais são os fatores que levam à produção desses efeitos, a gente vai ficar enxugando gelo e é um gelo que sangra”, alerta.

Confira essas temáticas no Debate apresentado por Gabriela da Cunha nesta terça-feira (01/09), às 21h, nas telas do Canal Futura e disponível também no Futura Play.

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