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Notícia: Denúncias de violências contra crianças e adolescentes crescem no Brasil

Denúncias de violências contra crianças e adolescentes crescem no Brasil

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Iniciativa do Canal Futura, Crescer sem Violência é instrumento de proteção para a infância e adolescência

As denúncias de violências contra crianças e adolescentes cresceram em 2024, revela o novo Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Os dados mostram que meninos e meninas seguem expostos a múltiplos riscos — do abuso sexual à negligência. O debate público sobre a proteção da infância ganhou força nas últimas semanas após a repercussão do vídeo “Adultização”, publicado pelo influenciador Felipe Brassanim, o Felca. Até a publicação desta matéria, o conteúdo somava mais de 48 milhões de visualizações.  

Adultizacao e exposição online: novidade nas redes, debate é tradição no Futura 

Entrevistamos, Priscila Pereira e Cinthia Sarinho, especialistas no campo da proteção e garantia de direitos de crianças e adolescentes. Elas lideram a iniciativa Crescer sem Violência, desenvolvida desde 2009 pela Fundação Roberto Marinho, por meio do Canal Futura, e conta com a parceria do Unicef e da Childhood Brasil, instituições de referência no campo das infâncias.  

Saiba mais sobre os dados

Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram que em 2024 o país registrou o maior número de estupros da série histórica: 87,5 mil casos ou 240 registros por dia. Desse total, 61,3% das vítimas de estupro do país eram crianças com 13 anos ou menos – isso é, 51.677 crianças. Muitos dos casos ocorrem dentro de casa (69,1%) e os agressores são da família (63%) ou conhecidos das vítimas (29%).   

Ainda no âmbito da violência sexual, outros crimes também registraram aumento. Segundo a publicação, houve crescimento de 14,1% nos registros de produção ou distribuição de material de abuso sexual infantil, com 3.158 casos ou quase 9 casos por dia.  

Também houve um incremento de 2% no aliciamento de crianças e adolescente – com quase 1.900 registros. As denúncias de exploração sexual infantil caíram, mas permanecem em patamares elevados, vitimando mais de mil crianças e adolescentes no ano passado    

Contrária a tendência geral de redução, o número de mortes violentas intencionais (MVI) cresceu entre crianças e adolescentes, vitimando 2.356 pessoas com menos de 18 anos. Adolescentes de 12 a 17 anos representam 89% das vítimas. A desigualdade racial é outra característica marcante desse tipo de crime: 85,1% dos adolescentes mortos eram negros. A violência letal apresenta, ainda, forte desigualdade regional, com taxas mais elevadas nas regiões Norte e Nordeste. 

As formas não letais de violência também seguem em patamares preocupantes. O abandono de incapaz aumentou 9,4% em 2024, com maior incidência entre crianças de 5 a 9 anos. Casos de maus-tratos atingiram principalmente crianças dessa faixa etária (35% do total), sendo mais de 93% praticados por familiares.  

O bullying teve 2.543 registros e o cyberbullying, 452, com pico aos 12 anos, revelando a vulnerabilidade crescente no início da adolescência. Também se observou aumento expressivo nas medidas protetivas de urgência concedidas a menores, impulsionadas pela Lei Henry Borel. 

Um grupo de pessoas está reunido em uma sala ampla, iluminada por luz natural. As cadeiras estão organizadas em círculo, com participantes sentados e atentos. No centro, três pessoas em pé falam para o grupo, sendo duas mulheres e um homem. Ao fundo, há um painel roxo com a frase “Compartilhar conhecimentos e construir futuros” e uma tela de apresentação. O clima é de encontro ou oficina educativa, com interação entre os participantes.
Da esquerda para a direita: Priscila Pereira e Cinthia Sarinho. Foto: Amanda Nunes

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostra um aumento geral das denúncias de violências contra crianças e adolescentes. Como interpretar esse crescimento? 

Priscila: Estes dados refletem, infelizmente, a repetição de padrões de desigualdades e discriminação de mulheres e crianças no nosso país. Se pegarmos os números de mortes violentas intencionais, por exemplo, tivemos uma redução do número total em relação ao relatório anterior. Já quando olhamos os números referentes a mulheres e crianças especificamente, ambos tiveram aumento significativo. 

Por outro lado, não podemos afirmar assertivamente que tivemos um aumento real de outras formas de violência como estupros, maus tratos etc. Isso porque vivemos uma tendência histórica de subnotificação casos e, nos últimos anos, estamos vendo uma maior sensibilização da sociedade diante do tema. Mais pessoas têm reconhecido situações de violência, acreditando nos relatos trazidos por crianças e adolescentes e entendido a importância de não se calar, o que contribui para dar visibilidade ao problema, pautar a agenda pública e fortalecer as ações de prevenção e enfrentamento. 

A violência sexual aparece como o crime que mais atinge meninos e meninas no Brasil. Podemos afirmar que esse é o eixo central das violações contra a infância no país?  

Cinthia: Essa têm sido, sem dúvida, uma das principais e mais graves violações de direitos humanos de crianças e adolescentes, que fere a dignidade e impacta as infâncias e adolescências brasileiras. A violência, especialmente as violências sexuais (seja o abuso ou a exploração sexual nas suas várias dimensões) vêm crescendo nos últimos anos, sobretudo no contexto digital. Infelizmente, esse é um reflexo de fatores sociais estruturantes que agravam o cenário de violência na infância, fruto de uma sociedade construída numa cultura adultocêntrica, pautada nas relações desiguais entre adultos e crianças, de violências e silenciamento, além de padrões de gênero e masculinidade tóxica que violam e objetificam os corpos de meninas e mulheres desde muito cedo. 

Priscila: É importante também ressaltar que, quando a violência sexual ocorre, normalmente muitas outras [violências] a precederam. Vivemos em um país em que a violência interacional faz parte do cotidiano de muitas famílias, assim como a cultura dos castigos físicos como forma do educar ou corrigir. A criança e o adolescentes ainda são vistos como propriedade, como uma vida que vale menos ou um corpo que está à disposição dos adultos. Com isso, ao contrário do que muita gente pensa, a maioria dos casos de violência sexual acontecem na casa das vítimas, praticadas por quem deveria cuidar e proteger esta criança ou este adolescente.  

De que maneira as plataformas digitais têm ampliado ou diversificado as formas de violência contra crianças e adolescentes? 

Cinthia: As plataformas digitais têm ampliado e potencializado as situações de risco, vulnerabilidades e violências contra crianças e adolescentes de diversas formas. Isso se manifesta na superexposição a conteúdos inadequados, nocivos e violentos, na violência entre pares (cyberbullying), no incentivo à automutilação, nas violências sexuais online (abuso sexual, aliciamento, grooming, sexting, sextorsão, deepfake, utilização da inteligência artificial no abuso sexual infantil digital), na produção e comercialização de material pornográfico infantil e na exploração sexual. Além de naturalizar, banalizar e intensificar as violências, contribuindo para ciclos repetitivos de práticas violentas que impactam o desenvolvimento integral e a saúde socioemocional de crianças e adolescentes. 

Priscila: Precisamos pensar que, para além de avançarmos enquanto sociedade na identificação, notificação e criminalização adequada destas diferentes formas de violências online, é urgente buscarmos mecanismos de prevenção para estes crimes. Um caminho é o desenvolvimento de ações que colaborem para um letramento digital voltado para a garantia de direitos, não só com foco em crianças e adolescentes, mas também para pais, cuidadores, professores e para o sistema de garantia de direitos como um todo. É muito importante ajudar a sociedade a fortalecer sua capacidade crítica diante dos riscos e desafios do ambiente virtual, com ética, empatia e responsabilidade com o outro, sobretudo em tempos em que se intensificam as formas de lucrar na internet através do engajamento de conteúdos diversos.  

Quando uma violação é identificada, quais são os caminhos para realizar a denúncia? Há materiais ou organizações que possam apoiar famílias na proteção das crianças? 

Cinthia: Ao identificar uma situação de violência deve-se acionar imediatamente a Rede de Proteção. Há canais de denúncia que podem ser acionados de forma anônima, como o Disque 100. Isso também pode ser feito pelo WhatsApp do Disque 100 (Disque Direitos Humanos), pelo aplicativo Proteja Brasil ou pelo site. O Conselho Tutelar é o órgão, muitas vezes, mais próximo às famílias e comunidades e atua diretamente na proteção da criança e adolescente vítima ou testemunha de violências.  

Temos ainda a Delegacia de Proteção à Crianças e Adolescentes e, em casos de violências e violações de direitos na internet, a SaferNet Brasil - organização que atua no enfrentamento aos crimes em ambientes digitais (em casos de pornografia infantil, aliciamento, racismo, entre outros), por meio do seu canal de denúncia: denuncie.org, além das delegacias especializadas em crimes cibernéticos. 

Vale ressaltar a importância da implementação da Lei 13.431/2017, a lei da Escuta Protegida, que estabelece um sistema de garantia de direitos e visa o atendimento adequado e especializado, a não revitimização e a proteção integral de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violências. Nesse sentido, a escola tem papel fundamental na promoção de direitos, é parte do SGDCA e de forma articulada e integrada com as demais organizações e a família deve contribuir para um ambiente seguro. 

A Fundação Roberto Marinho e o Canal Futura vêm contribuindo, nos últimos 16 anos, por meio do Crescer sem Violência, que disponibiliza conteúdo pedagógico, vídeos, campanhas, metodologias e formações de profissionais do SGDCA para atuarem na temática, na prevenção às violências, na proteção de crianças, adolescentes e no apoio às famílias. Saiba mais no www.crescersemviolência.org.br  

O que é o sistema de garantia de direitos de crianças e adolescentes e de que forma essa rede pode contribuir para prevenir e enfrentar as violências? 

Priscila: O Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente reúne políticas públicas, instituições e mecanismos legais que atuam de forma articulada para assegurar a proteção integral, prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Ele contribui para prevenir violências por meio da promoção de ambientes seguros, do fortalecimento da rede de proteção e da sensibilização da sociedade. Atua, também, no enfrentamento, garantindo escuta especializada, responsabilização de agressores e acompanhamento das vítimas. Ele é essencial para romper ciclos de violência e garantir que crianças e adolescentes tenham seus direitos plenamente respeitados. 

Cinthia: Importante ressaltar que as organizações que integram o SGDCA devem atuar em rede, com ações conjuntas, intersetoriais, integradas e coordenadas entre os eixos da promoção, da defesa e da responsabilização como efetiva e eficaz estratégia para garantir a proteção integral de crianças e adolescentes e o enfrentamento às violências.