SOS Amapá: a sociedade se mobiliza para enfrentar a crise do apagão
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Organizações e voluntários distribuem mantimentos em meio ao caos gerado pela falta de energia
As consequências do incêndio na subestação que que abastece o Amapá não atingem apenas os moradores do principal centro urbano do Estado, a capital Macapá. A falta de luz tem sido um problema para todos os setores, inclusive as embarcações que comumente levam mantimentos para as populações ribeirinhas do rio Amazonas.
Com dificuldades para serem reabastecidos com combustível, há relatos de que os barcos estão circulando menos por essas localidades desde o início do apagão duas semanas atrás. Com isso, grande parte das famílias que vivem nestas comunidades ao longo do rio agora depende da boa vontade de instituições que estão arrecadando alimentos e outros bens de primeira necessidade.
Um exemplo é a iniciativa da Oficina Escola de Lutheria da Amazônia (OELA). A instituição, que há 22 anos desenvolve projetos educativos para comunidades sustentáveis, distribuiu aproximadamente cinco mil cestas básicas na região do Arquipélago do Bailique, localizado a 180 km de Macapá (Amapá). Segundo estimativa da própria organização, 10 mil famílias vivem na área, espalhadas por 36 comunidades. A operação de entrega foi realizada no último fim de semana.

A diretora executiva da OELA, Jéssica Gomes, explica que essas populações tradicionais estão desabastecidas e com pouca comunicação por conta do apagão. Para piorar o quadro, a água do rio Amazonas fica mais salgada nesta época do ano, o que dificulta o consumo.
“Essas comunidades já viviam bem isoladas, com falta de assistência, falta de garantia de direitos por parte do poder público e o apagão apenas desmascarou onde estão esses grandes gargalos”, pontua. Além disso, Gomes alerta que tem percebido um número maior de pessoas doentes, que estão bebendo a água não tratada do rio.
A organização tem recebido doações em dinheiro para compra de cestas básicas de alimentos e água mineral, além de produtos de higiene e água potável.
Falta luz, falta água no Amapá
O apagão também tem causado prejuízos na capital Macapá, principalmente nas regiões periféricas. Débora Arraes, professora da Universidade Estadual do Amapá, mora perto de uma Área de Proteção Ambiental (APA) chamada Fazendinha, uma região socialmente vulnerável, com casas de palafita e, em sua maioria, com fossas abertas.
Por conta disso, nas épocas de cheia do rio, a água fluvial acaba se misturando com os dejetos e fica imprópria para o uso. Mesmo sabendo disso, os moradores da APA passaram a consumir a água do rio, uma vez que o abastecimento de água potável foi prejudicado pela instabilidade do sistema de energia.
Ao observar esse cenário precário tão próximo de sua casa, a professora Débora resolveu ajudar de alguma forma. Por morar em um bairro que foi um dos primeiros a ter a energia restabelecida, antes do início do rodízio, Arraes convidou alguns colegas e alunos da UEAP que vivem nas redondezas para higienizarem galões vencidos e os encherem com a água de seu poço.
O fornecimento de água logo foi restabelecido na Fazendinha, e os voluntários resolveram fazer as doações em outras regiões periféricas de Macapá, como o bairro de Congós, na Zona Sul da cidade. A universidade percebeu o esforço do grupo e resolveu contribuir com um carro institucional para que os galões de água fossem distribuídos.

“A universidade pública tem um papel social e isso significa atuar para melhorar a vida das pessoas que habitam a sociedade amapaense. Então, a atuação da universidade nesses momentos catastróficos é fundamental pela própria responsabilidade social que a instituição tem, mas principalmente pelos princípios de equidade social previstos no plano de desenvolvimento institucional. Acima das questões técnicas e acadêmicas, o caráter humanitário deve prevalecer”, destaca Kelly Gomes, professora e pró-reitora de extensão da UEAP.
Além disso, a universidade tem prestado apoio a algumas organizações da sociedade civil, incluindo a OELA, no atendimento a populações vulneráveis, principalmente nas comunidades ribeirinhas. A pró-reitora de extensão explica que a instituição oferece apoio logístico e ajuda no que é possível para tentar amenizar a situação pela qual o Amapá está passando.

Os professores da UEAP também seguem ajudando como podem. Janaína Freitas, docente da instituição e voluntária da ação, conta que o grupo percebeu que as doações feitas nas periferias foram muito importantes, mas que seria ainda mais eficiente adotar alguns critérios. Foi assim que eles resolveram se associar a duas outras campanhas, para melhorar essa distribuição: a Ubuntu Solidário, que atende povos quilombolas, e a SOS Ilha de Santana que tem ajudado populações vulneráveis da ilha que fica a 17km de Macapá.
Além disso, os voluntários passaram a organizar kits com velas, fósforos e álcool em gel. “Essa situação escancara as desigualdades sociais que nós vivemos, então quem tem recursos pode comprar água mineral, ter um gerador, ir para um hotel e até sair do estado. E quem não tem fica na miséria, passando fome e sede”, lamenta a professora.
Até os estudantes da UEAP se uniram à rede de solidariedade. A aluna Emanuele Gomes conta que ela e os colegas moram em regiões diferentes do Estado, com realidades diferentes. Para ela, essa diversidade foi fundamental para diagnosticar como estava a situação em cada área e para pensar em estratégias adequadas.
“Nós ajudamos a limpar os galões, fomos nas distribuições de água e essa era forma que nós podíamos ajudar no momento, porque a maioria dos estudantes ainda depende dos pais, então não tínhamos como ajudar financeiramente”, relata a jovem.

“Todos nós estávamos sentindo uma dor por sabermos que estava ruim para a gente, mas estava muito pior para outras pessoas. Então nós transformamos essa dor em esperança”, reforça a idealizadora do projeto, Débora Arraes, que também é doutoranda da Rede Bionorte.
As escolas do Amapá também estão apoiando as comunidades com a distribuição de água nas áreas em que o abastecimento não foi normalizado. Nesses locais, as unidades escolares que contam com poços têm aproveitado os momentos em que há energia elétrica para bombear água e distribuir para a comunidade. Muitas unidades escolares também estão recebendo doações de água mineral e essa distribuição tem sido feita por meio do transporte escolar, principalmente kombis e barcos.
“Nós temos trabalhado de manhã, à tarde e à noite para tentar diminuir as dificuldades que as famílias estão enfrentando”, conta a Secretária de Educação de Macapá, Sandra Casemiro.
