Classes Abertas: EJA, Novo Ensino Médio e saúde mental
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'Despertar não é só abrir os olhos; é abrir os ouvidos, o coração. É se abrir para o outro e para o mundo"
A série de debates Classes Abertas é um espaço dedicado a encontros e trocas de experiências sobre temas relacionados à educação - iniciativa da Fundação Roberto Marinho, com apoio do Todos Pela Educação. Na edição de junho (29), transmitida pelo youtube do Canal Futura.o Classes trouxe os seguintes temas: Educação de Jovens e Adultos (EJA), "Novo Ensino Médio" e a saúde mental dos jovens.
Mediados por Ana Carolina Malvão, jornalista do Futura, participaram Analise de Jesus da Silva, Pós-Doutora em Educação de Jovens e Adultos, Ana Paula Severiano, Professora da educação básica e consultora, e Hugo Monteiro Ferreira, Professor e Pesquisador. A interpretação para a Linguagem Brasileira de Sinais (LIBRAS) foi feita por Jadson Abraão.
Assista aqui ao Classes Abertas de junho/2022
Educação de Jovens e Adultos
A conversa teve início com uma reflexão de Analise de Jesus acerca do perfil do estudante da EJA, de acordo com dados sobre a educação do país: "O grupo de pessoas que configura 'o público da EJA' (ou seja, estão em distorção idade-série) é o seguinte: 76% dessas pessoas são negras; 94% delas, pobres (renda mensal abaixo de 2 salários mínimos). É o motorista do ônibus que te levou para o trabalho, a pessoa que te atendeu na padaria; e é também a pessoa que te pediu dinheiro na porta da padaria". Analise destacou ainda como o mundo do trabalho perpetua o processo de exclusão e invisibilização com relação aos estudantes da EJA.

As pessoas não têm sido excluídas 'apenas' da escola; a exclusão tem acontecido na escola.
Novo Ensino Médio
Ana Paula Severiano destacou a importância da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que reforça a discussão sobre o tema "projeto de vida" nas escolas, com premissas sustentadas por três dimensões básicas, a serem trabalhadas com os estudantes: "Primeiramente, o autoconhecimento. Eu tenho que olhar pra mim, para o outro, e como me insiro nesse mundo. A segunda dimensão diz respeito ao meu olhar para o outro e como me entendo nessa relação, nessa diversidade. Por último: a partir dos conhecimentos que tenho sobre mim, sobre o outro e o mundo, como penso o meu futuro e faço minhas escolhas".
Ao trazer os conceitos para sua aplicação no mundo real, sob um ponto de vista prático, Ana Paula levantou questões importantes: "Quem é a pessoa que vai trabalhar 'projeto de vida' com os estudantes em sala de aula? O que deverá ser abordado nessa aula? Qual deverá ser o conteúdo trabalhado?".
Como fazer o estudante perceber 'sentido' na escola?

Saúde mental de jovens no Brasil
Para Hugo Monteiro, analisar o aspecto emocional de estudantes do país neste momento implica uma compreensão do nosso contexto histórico - do que nos trouxe até aqui: "Temos questões ligadas à alfabetização no Brasil que são anteriores à República. Temos números assustadores no Brasil-império; números assustadores durante todo o século XX e, em 2021, mais números assustadores".
Neste momento, em 2022, depois de, praticamente, 2 anos de escolas fechadas por conta da pandemia, e imersos em uma conjuntura econômica especialmente complexa, jovens passaram a enfrentar desafios ainda maiores do ponto de vista de sua saúde mental. Hugo foi direto: "Pessoas que não estão alfabetizadas, que usam muito as redes sociais digitais, demonstram um perfil de adoecimento mental. Essa e outras questões me levaram a escrever o livro 'A geração do quarto'".
Quando não temos a alfabetização assegurada, nossa cidadania é ameaçada.
Habilidades socioemocionais e o mundo do trabalho
A relação entre educação e trabalho tem sido pauta de diversos debates pelo país. Analise ressaltou a necessidade de termos muito claramente definida a questão do jovem trabalhador, para não ser confundida com o trabalho infantil. E foi além: "Devemos falar sobre a qualificação do trabalho de jovens, e não para o trabalho delas e deles. Isso significa enxergar a educação - neste caso, a Educação de Jovens e Adultos e/ou a educação/formação profissional - como elemento intimamente conectado ao trabalho. Se o pedreiro percebe a relação entre o ângulo que ele estudou na escola e o que ele constrói nas obras em que trabalha, é sua própria prática profissional que evolui", afirma a educadora.
Em seguida, Ana Carolina Malvão citou Paulo Freire, com relação à importância de uma educação contextualizada, ligada à prática, e Ana Paula conectou a menção às reflexões sobre a relação educação-trabalho lançadas por Analise: "Quando falamos de jovens em situação de vulnerabilidade social, não devemos apenas considerar o trabalho como 'a única saída possível'. Muitas vezes, o caminho que a jovem ou o jovem poderá preferir, ou até mesmo se sair melhor, será uma universidade, será o estudo mesmo. Foi assim comigo, por exemplo".
Quando abrimos possibilidades, ao invés de restringi-las, as oportunidades podem ficar mais interessantes.

No mesmo sentido do raciocínio de Ana Paula, Hugo Monteiro indagou: "O que o trabalho tem a ver com a emoção?". E seguiu: "O que temos é um grande modelo de sociedade em que a cognição impera. E a cognição traduz um desejo muito explícito de tentar manipular as emoções. Temos de ter cuidado com expressões como 'controle', 'habilidades', 'competência', 'regulação'. As emoções precisam ser experimentadas. O grande barato do ensino médio, pra mim, deveria ser ouvir".
Ana Paula reiterou que 'a escuta', ponto trazido por Hugo, é um aspecto fundamental: "Muitas vezes, o jovem de 17 anos é pressionado a fazer determinadas escolhas que somente mais adiante vai descobrir se eram, realmente, o que gostaria de ter feito. Garantir esse tempo, essa escuta e essa escolha seria o ideal".

Chegando à reta final do Classes Abertas, Ana Carolina fez uma última provocação aos entrevistados: "De que forma poderíamos garantir inclusão, acesso e permanência de jovens e adultos na EJA?".
Analise reforçou o que o Plano Nacional de Educação (PNE - Lei 13005/2014) já determina, em sua meta 10: obrigatoriedade de oferta de 25% das vagas do ensino médio para a Educação de Jovens e Adultos, de forma integrada à educação profissional. E complementou: "É importante que o jovem tenha perspectiva de futuro. Aos 17 anos, eu fiz concurso para ser professora da educação infantil. Aquilo significou que, dali a 25 anos, eu poderia me aposentar. Isso é perspectiva de futuro".
Como ideias para caminhos possíveis, Analise observou: "Primeiramente, a questão mais fundamental: cessar os cortes na Educação. Em seguida, repor o que foi cortado. A formação de professores, hoje, também está sem perspectiva. Precisamos de mais institutos técnicos federais, e que tudo isso seja feito a partir das demandas dos próprios jovens. O que elas e eles querem? Era isso que me movia, quando eu tinha 17 anos".
Se a perspectiva do amanhã não está colocada, o que me move?
Os contextos brasileiros serviram de base para as reflexões de Ana Paula, no sentido de indicarem o que pode ser feito e, também, o que deve ser evitado: "Temos exemplos de práticas que fizeram sentido no país. Uma escola que fica em Itacuruba, no sertão de Pernambuco, é a única a oferecer ensino médio por lá. Nela, 90% dos estudantes recebem algum benefício de políticas públicas dedicadas à educação, que é de tempo integral. Os índices de aprendizagem naquela escola são melhores do que os das escolas do entorno. Naquele contexto, naquela conjuntura, funciona".
Em contraponto, Ana Paula complementa com outro exemplo: "Uma outra escola, esta no bairro de Heliópolis, em São Paulo, foi transformada, sem aviso prévio, em 'escola de tempo integral'. O impacto foi imediato: dos 35 estudantes que uma turma tinha, 25 pediram transferência para outra escola, em outra cidade - elas e eles não podiam se dedicar integralmente à escola. Sem levar em consideração o contexto daquelas pessoas, daquele lugar, uma medida foi determinante para aumentar a evasão daquela unidade".
E foi justamente a atenção ao público que se pretende atingir positivamente com determinadas medidas que Hugo destacou em seguida: "Devemos olhar para os jovens com um olhar de potência, respeitando todas e todos, acreditando no que são capazes de fazer", disse o educador. Para ele, isso já surte efeito bastante positivo por promover, nelas e neles, o sentimento de estarem sendo considerados, incluídos no planejamento do que lhes é oferecido.
Após as considerações finais de Analise de Jesus da Silva, Ana Paula Severiano e Hugo Monteiro Ferreira, restou a certeza de que há muito por ser feito, mas também de que há muitas e muitos com o desejo e o conhecimento necessários para fazê-lo.
O desafio de uma educação que não deixe ninguém para trás é, e deve seguir sendo, a permanente busca.
Uma educação que seja inclusiva, compreensiva, flexível, sustentada pela técnica e pelo afeto, adaptável a diferentes contextos; que prepare para o futuro considerando o histórico, o presente e a realidade de cada uma e cada um; que promova o desenvolvimento do ser. Uma educação que desperte futuros.
Que venha o próximo Classes Abertas!

"A escola será cada vez melhor, na medida em que cada ser se comportar como colega, como amigo, como irmão."
Paulo Freire, em seu poema "A escola".